PERIPÉCIAS DO OLIMPISMO

O Comité Olímpico Internacional (COI) anunciou, no princípio de Dezembro, que a Rússia, como nação, está impedida de participar nos Jogos Olímpicos de Inverno, na cidade de Pyeongchang, na Coreia do Sul. A decisão baseou-se nos casos recorrentes de “doping” institucionalizados no país. No entanto,  os atletas, sem antecedentes de dopagem, poderão ser convidados a participar em termos individuais e independentes, sob a bandeira olímpica, sendo as medalhas,  eventualmente ganhas, entregues em termos pessoais.  O hino olímpico substituirá o russo em qualquer cerimónia de pódio. O vice-primeiro ministro russo, Vitali Moutko, foi irradiado depois de ter tutelado o desporto no país durante vários anos.  A Rússia pagou uma indemnização de 15 milhões de euros depois de se ter apurado que 25 atletas russos que estiveram nos Jogos de Socchi, em 2014, foram castigados por uso de substâncias dopantes. Mas estima-se que cerca de mil atletas terão aproveitado a conivência das autoridades russas para o mesmo efeito.

Mas ao lermos a opinião de Simon Jenkins, no Guardian, somos obrigados a melhor refletir sobre todo este assunto. Diz ele:  “Sim, o Desporto russo é corrupto, mas então os Olímpicos também são.  Todo este Projeto precisa ser repensado. Abolir todas as bandeiras e deixar que os atletas compitam como cidadãos do mundo. Os países tratam as medalhas como matéria decorativa para glória do seu estado. E neste aspeto, a Grã-Bretanha é dos piores. “

E continua o cronista  na sua demolidora intervenção:  “Tenho alguma simpatia por Vladimir Putin. Durante anos entendeu-se com o COI. O COI soube perfeitamente, durante décadas, que os atletas russos, como muitos outros, claramente se dopavam. Fingiu não perceber e nem sequer ter ouvido as informações que lhe eram transmitidas e posteriormente confirmadas, sobre as violações  e corrupção que se verificaram nos Jogos de Inverno de Socchi 2014.  A Russia  foi um país muito conveniente para o COI. Põe o “chauvinismo”  antes do dinheiro e o dinheiro antes do desporto.  Só quando os desesperados Stepanov (membros da pouco acreditada agência anti-doping russa) abriram mão dos seus elementos e os entregaram à comunicação social é que o balão rebentou. O COI mostrou-se embaraçado ao autorizar a participação de outros atletas russos  nos Jogos Rio 2016 embora tivessem banido Yuliya Stepanova  da agência russa.  E, finalmente, chegou esta declaração de que a Russia tinha cometido “um ataque sem precedentes à integridade dos Jogos Olímpicos e ao Desporto”. Se eu fosse o Putin teria perguntado a Thomas Bach, Presidente do COI: como é que eu estava tão limpo há três anos e agora tão sujo?  Se a resposta fosse que a dopagem russa é apoiada pelo estado eu dar-lhe-ia logo outros exemplos. No fundo esta triste realidade é conhecida de todos os países. O problema é, como Stepanova claramente mencionou na sua entrevista na BBC de 2016, não haver notícias novas quando já todos sabem, exceto o público, claro. Toda esta embrulhada navega, evidentemente, em cima de muito dinheiro, de milhões, e envolve largas dezenas de modalidades. O estudo de Andrew Zimbalist (Circus Maximus) demonstra que a pureza do legado olímpico tem sido ofensivamente desviado.  Os Jogos obrigam a gastar biliões em três semanas de desporto.  O estádio do Rio de Janeiro está em decomposição, as áreas dos Jogos de Atenas estão abandonadas. O estádio de Stratford, em Londres, mesmo depois de caras intervenções, custa aos cidadãos londrinos qualquer coisa como 20 milhões de libras por ano. “

Interrompo aqui o dramático artigo de Simon Jenkins. Na realidade, este tema tem que ser reanalisado. Desde há muito que as cidades (e os respetivos países, claro) se queixam das tremendas responsabilidades financeiras que a realização dos Jogos envolvem. Tenta-se sempre aliviar essa perspetiva com o facto de existirem benefícios laterais para as cidades e para os países: infraestruturas realizadas, receitas enormes de turismo, consolidação da imagem internacional desses locais. As contas feitas a posteriori não chegam, nos Jogos mais recentes, a essa conclusão. Para além do investimento público, sempre brutal, as grandes  marcas e apoiantes de todo o mundo sentem ser-lhes “solicitada” uma participação financeira cada vez maior para que os seus nomes apareçam nos estádios ou nos equipamentos dos atletas. Mas todos os desmandos que passaram a envolver os Jogos e o Desporto em geral (dopagem, corrupção, apostas ilegais e viciadas) não ajudam a essa disposição. A menos que se passe a participar nesse grande negócio oculto… Nos tempos que correm começam a escassear as cidades candidatas à realização de Jogos.  O gigantismo dos eventos e as intermináveis exigências do COI transformaram os Jogos num suplício e  num brutal investimento sem retorno. As épocas que se vivem obrigam a uma muito maior disciplina financeira e grande prudência no assumir dessas candidaturas. Daí a razão pela qual diversas cidades têm retirado os seus processos de candidatura para próximos Jogos.

Tudo isto se passa, curiosamente, numa altura em que, por exemplo, as duas Coreias decidiram participar nos próximos Jogos de Inverno 2018, na Coreia do Sul (como, aliás, já se tinha verificado nos Jogos de Verão de Sydney 2000) e, em sentido contrário, se teme que os Jogos da Coreia sejam os mais frios de sempre (14 graus negativos na Cerimónia de Abertura), num estádio que custou 50 milhões de euros e onde se receia que existam casos de hipotermia.  O facto de a Rússia, enquanto país, não participar, poderá baixar muito as receitas previstas. Enquanto o Presidente Trump diz que os Estados Unidos enviarão uma equipa de alto nível, a sua atleta mais famosa, Lindsey Vonn (77 taças do mundo ganhas) diz que não representará o país nem o Presidente,  mas sim o povo americano.

Entretanto,  as federações mundiais dos video-jogos já solicitaram a sua adesão ao COI, assunto que, segundo Thomas Bach, irá ser analisado. Uma modalidade que já movimenta muitos milhões em todo o mundo, que tem mais audiência televisiva que qualquer outra modalidade desportiva, futebol incluído, não deixa de despertar interesses por parte de quem dirige as causas olímpicas. Mais uma vez é o dinheiro, em todo o seu esplendor, que se propõe dominar as premissas essenciais que deram origem ao olimpismo. Dir-se-á que é uma visão retrógrada e conservadora, que as instituições se têm que adaptar aos novos tempos mas, em alternativa, julgo que será uma excelente oportunidade de se fazer a tal reanálise da essência e organização do Movimento Olímpico para que possa ser, no futuro, um exemplo de generosidade e de ética, distinto das obscenidades sociais e financeiras que a chamada “indústria do desporto” tem vindo a promover. E que irá continuar, claro, mas ocupando um lugar distinto daquilo que sempre foi o ideário olímpico. Tendo em consideração os recentes escândalos de corrupção que se têm verificado com altos dirigentes olímpicos (já em texto anterior neste blogue, de 7/9/17, alertei para a “Vergonha Olímpica”) seria bom que o próprio COI disponibilizasse todos os meios para a descoberta e punição desses desmandos. Mas com a sua sede na Suiça , muitos aspetos legais vão sendo dissimulados. Quando o FBI entra em cena ou as denúncias qualificadas arriscam a sua segurança é que as coisas aparecem… Para o público saber, claro,  como diz o articulista do The Guardian.

Um pensamento sobre “PERIPÉCIAS DO OLIMPISMO

  1. Um caso bicudo…! Uma análise que nos deixa de rastos. Mas será assim, com estas contínuas trapalhices, que este mundo pretende redimir-se de tantas outras obscuridades ? Este tipo de espectáculos, em que os Jogos Olímpicos se transformou, mais pela sumptuosidade e pelo esforço sobre-humano, tão explorado pela grandeza chauvinista das nações, do que a sã competitividade e camaradagem entre desportistas, provocou uma erosão nos meus entusiasmos. Não querendo ser adivinho, iremos ver da parte da Coreia do Norte, uma competição desigual. Uma competição, na qual, a beleza natural e descontraída, de quem gosta de mostrar o seu melhor das suas capacidades físicas, será confrontada, ao que me parece, com um desfilar diferente, de atletas cerebralmente programados…! Desporto… ?

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