Ao ler o artigo publicado neste blogue, no dia 16 de Janeiro, escrito pelo Zé Aparício, designado “A propósito do Tempo que passa”, fiquei a pensar. Tudo o que ele ali diz subscrevo inteiramente. E, ainda por cima, desafia-nos a retomarmos a leitura de Proust, coisa que, devo dizer com toda a sinceridade, não fazia há muitos anos e já nem me lembro que peças dele terei lido. Recordei a obra famosa “Em busca do tempo perdido” e os seus sete esgotantes volumes. Tão esgotantes que levaram o autor até à morte, em 1922 com 51 anos, pelo que os três últimos tiveram edição póstuma. Por curiosidade, “A Sombra das Raparigas em Flor” que o Zé está agora a ler, valeu-lhe o Prémio Goncourt em 1919. Proust foi, como se sabe, um escritor estético, um artista pensador, vivendo uma época (inícios do século XX) em que as ideias faziam os seus percursos e se debatiam com outros escritores e filósofos contemporâneos. Proust vingou pelo seu génio. O primeiro volume da sua grande obra foi editado às suas custas numa pequena editora Grasset e só depois desse sucesso a Gallimard assumiu a publicação do segundo volume (A Sombra das Raparigas em Flor que o Zé está a ler) e que veio a ganhar o tal prémio Goncourt. Proust era homossexual assumido e começou a dissertar sobre esse tema no volume “Sodoma e Gomorra” e seguintes. Faleceu esgotado de tanto escrever, em 1922, com uma bronquite “à moda da época”. Também curiosamente, entre os muitos intelectuais influenciados por Proust (Samuel Beckett, Jean Cocteau, Graham Green, por exemplo) incluem-se também os portugueses José Régio, Vitorino Nemésio, Gaspar Simões. Estes apontamentos não pretendem contar a vida de Proust mas, apenas, chegar ao seu sétimo volume, “O Tempo Reencontrado”, onde ele obriga o hipotético narrador da sua história “a recuar no tempo das suas memórias, em episódios desencadeados por recordações de cheiros, sons, paisagens ou mesmo sensações táteis.”
E daqui salto para uma excelente série televisiva da RTP1, chamada “Progresso – Idade de Envelhecer” que, de uma forma geral, nos diz como será o mundo daqui a 60 anos, em 2077. Não sou fiel espectador da série mas reconheço-lhe qualidade. Reconheço nela descrições de coisas ou avanços que serão correntes no futuro, até porque já hoje se adivinham ou pressentem. Reconheço-lhe a utilidade do conhecimento futuro mas reporta-me, talvez com nostalgia mas não com menos encanto, à vida do mundo 60 anos atrás. O mundo e os meios de hoje avisam-nos do que se vai passar, para as próximas gerações se prepararem e a minha geração ficar a saber. Já não preciso de me preparar para esse fantástico futuro, já cá não estarei. Mas consola-me o facto de ter superado, com melhor ou pior preparação, os últimos 60 anos que já vivi. E ninguém nos preveniu do que iria acontecer…
Regresso, por isso, a Proust e à inteligente chamada de atenção do Zé, para, com o “Tempo Reencontrado”, recuar no tempo das memórias e a todos os episódios que as ilustrem.
Sim, há 60 anos estávamos em 1957 e, imagine-se, foi nesse ano que fiz a guarda de honra, no Cais das Colunas, à Rainha Isabel II, à sua chegada para uma visita oficial ao nosso país. O Presidente português, Craveiro Lopes, já há muito faleceu mas a Rainha continua viva e, segundo os relatos, ainda a “dar cartas”. Já conviveu com 12 presidentes dos Estados Unidos e lá continua à espera de sucessor que lhe agrade…
Era tempo do sextante, não havia GPS. Nas engenharias havia cadeiras semestrais de régua de cálculo porque não se conhecia, por cá, a máquina de calcular. Muito menos o computador. Em nossas casas esperava-se 2 a 3 anos para ter telefone (montado pela APT) e ninguém nos falou dos “smartphones”. Depois apareceu o computador de cartões perfurados mas não nos avisaram que um dia chegariam os “laptops”. Sim, sim a televisão chegou-nos em 1957 mas ninguém nos falou que um dia haveria plasmas curvos e HD… Tínhamos umas máquinas fotográficas onde se espreitava por cima e tirávamos fotografias quadradas a preto e branco. As máquinas tinham rolos com 12 ou 24 imagens e ninguém nos avisou que vinham aí umas que tiravam fotos aos milhares, a cores, com todas as regulações de imagem e que bastava carregar a bateria. Havia uns livros giríssimos de banda desenhada (O Cavaleiro Andante, o Mosquito, o Diabrete, o TinTin) mas ninguém nos avisou que daí a uns anos haveria séries de bonecos fantásticos na televisão e nos computadores, inventados por milhões de miúdos em todo o mundo que se fartam de ganhar dinheiro com isso. Quando era adolescente ganhei uns tostões (também já não há) a pintar bases para copos, em cortiça, com danças regionais. Ninguém nos avisou que vinham aí computadores que fariam coisas dessas em 3 dimensões. Nas cozinhas, todos nos lembramos, era tudo feito à mão e ninguém nos avisou que um dia haveria máquinas para tudo. Até para fazer sopas… Há 50 ou 60 anos compravam-se livros na “Barateira” para se poder ler mais por menos preço. Já não há a “Barateira” e ninguém nos avisou que um dia os livros podiam ser lidos nos computadores (para quem gostar, claro). Levávamos meses a aprender a jogar xadrez assim-assim mas ninguém nos disse que viria aí um computador que já ganha ao campeão do mundo.
Haveria muitos mais exemplos a dar, de tudo aquilo para que não fomos avisados. Ainda bem que hoje nos dizem o que existirá em 2077. A minha geração teria que andar aí pelos 140 anos para poder beneficiar de todas essa maravilhas. Mas, claro, como isso não vai suceder prefiro regressar ao Proust e recuperar as suas ideias porque essas, apesar dos tempos, não se esgotam. Como também espero que daqui a 60 anos, para além do que nos diz o estudo apresentado na televisão, ainda hajam ideias, emoções, amores, grandezas, humilhações, solidariedade, sensibilidade que os ajude, aos que cá estiverem, a usarem com humanidade tanta coisa que lhes vai ser facultada. Que haja muitos grupos de amigos para discutirem todas as vantagens dessas novidades e a forma tranquila de as utilizar e distribuir. Porque, cheira-me, que daqui a 60 anos ainda haverá pobres e refugiados no mundo. E talvez, como disse Proust, recuar no tempo com as suas memórias seja útil para a Humanidade.
Dizem que homem prevenido, vale por dois. Em certas circunstâncias da vida, não duvido. Mas na generalidade, acho que é bom não sabermos o que nos vai suceder : as boas surpresas são muito agradáveis, exactamente por serem surpresas!. E se já soubessemos das coisas más que nos vão acontecer, vivíamos muito mais preocupados – e se calhar não as podíamos evitar.
Uma lacuna nas minhas leituras é o Marcel Proust : penso que nunca li nenhuma das suas obras.
Há reedições recentes, a convidarem-nos nas bancas das livrarias, mas acho que não vou alinhar
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” E ninguém nos preveniu “…! Não queria repetir o que já aqui disse, de outras crónicas de Marques da Silva…! Goste muito …! Simplesmente arrasado, com a forma fantástica de recordar uns sessenta anos, que mais parece um conto de ficção . Anos de uma outra vida, cujas épocas nos ficaram bem marcadas pelos acontecimentos e a evolução vertiginosa, que hoje sentimos dificuldade em compreender como tudo pôde caber em menos de um século. Nunca li Marcel Proust, embora conheça muito dele pela natural curiosidade…! Nem sei se irei ler alguns dos os seus primeiros longos livros. Fiquei agora, com a curiosidade de ler ” O Tempo Reencontrado,” para não permanecer mais tempo na ignorância….! Já o devia ter feito, antes de ter dado preferência às leituras de Stephan Zweig. Ou ainda àquela catrefada de escritores norte americanos, como Hemingway, Jack London, Steinbeck, ou Erskine Caldwell, que nos levavam a imaginar a vida americana, com toda a sua crueza. O último, ” Mataram a Cotovia “, mostrou o que todos sabemos ter sido, uma América interior, de que ainda mantém alguns resquícios.
Ainda há pouco tempo, andei a ” desarrumar ” uma estante, e parei a ler as Popular Machanics Magazine, que o meu irmão e eu colecionávamos. Como nos encantavam aquelas invenções caseiras, hoje em dia tão comuns e de certa forma ridículas, face à evolução. Recuei no tempo, até que comecei a sentir a emoção a comprimir-me o peito. Voltei a por tudo no lugar, e peguei de novo, no romance Novembro, de Jaime Nogueira Pinto. Vamos lá ver se o leio depressa, porque o PREC também já pertence ao passado. A um outro passado…!
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