É muito frequente os povos não saberem honrar, em tempo, aqueles, de entre eles, que mais se distinguiram, por diversas razões, na promoção e defesa de valores a nível nacional ou internacional. Valores de natureza cultural, social, militar, política. Cada uma destas categorias desdobra-se em áreas diversas, mas sabemos bem caracterizá-las na evolução das nossas vidas e nos contágios das nossas amizades. São muitas vezes países estrangeiros a reconhecer e a distinguir, em primeiro lugar, figuras de outros países, às vezes com a perplexidade e alguma sobranceria dos cidadãos destes últimos. Muitas vezes as gerações mais recentes não as conhecem devidamente, porque não se interessaram ou não lhes ensinaram. Mas mesmo nas gerações contemporâneas dos distinguidos existem, com frequência, despeitos ou assomos intelectuais que as impedem de reconhecer, galhardamente e com total desassombro, as enormes virtudes com que aquelas personalidades preencheram os seus tempos de vida. E que conseguiram feitos que, possivelmente, muitos dos seus contemporâneos não terão tido as oportunidades ou a coragem de realizar.
Vem isto a propósito do espantoso contraste, com que fomos recentemente confrontados, entre dois procedimentos tão diversos em relação à figura de Mário Soares: por um lado a União Europeia distingue a figura do Político e Homem de cultura atribuindo o seu nome a um auditório para reuniões de trabalho com figuras internacionais; por outro, parece correr um abaixo assinado, proposto não se sabe por quem (e suspeito que nunca se saberá…), pretendendo rejeitar a eventual atribuição do nome de Mário Soares ao futuro aeroporto de Lisboa/Montijo.
É por estas e muitas outras razões que decidi elaborar este pequeno texto que sei não ir merecer a aprovação generalizada de quem o ler. Mas é a vida…
Numa revista/magazine editada em Janeiro de 1991 escreveu o seu diretor (Fortunato de Almeida) a seguinte introdução:
As sociedades modernas , abalados alguns dos seus fundamentos históricos e prisioneiras do imediatismo material, precisam, como em raras eras da história humana, de um carisma que as faça acreditar e olhar o futuro sem temor… A sociedade portuguesa encontrou, nos últimos dezasseis anos que a mudaram radicalmente, por entre sombras e aparições, um rosto que a identifica, para o bem e para o mal: o rosto de Mário Soares… Como ele, nenhum foi portador do carisma democrático que faz das sociedades organismos humanos de vida e liberdade.
Mário Soares foi, desde muito novo, um lutador incansável pela liberdade. Não é preciso relembrar os muitos políticos que defendeu, durante o regime anterior, nos inomináveis julgamentos no Tribunal Plenário de Lisboa, em processos instruídos pela PIDE. Numa época em que existiam apenas cerca de 1500 advogados em Lisboa, apenas 3% deles aceitavam defender casos de óbvia perseguição política. Sem querer repetir a história da sua vida, não custa relembrar as vezes em que foi preso, desterrado, exilado. E não deixou de lutar: escreveu o famoso livro “Portugal Amordaçado” enquanto exilado em Paris. Manteve contactos com os maiores lideres mundiais da área da social democracia. Um deles, o sueco Olof Palme, disse: “Nenhum político pode deixar-se esmagar pela oposição, mas conheço poucos políticos que se sintam tão estimulados pela oposição como Mário Soares. É perante ela que as suas principais qualidades, a rapidez, a coragem, o discurso, o entusiasmo, se revelam.”
Tive oportunidade, em conjunto com diversos amigos, de participar em eventos e situações mais ou menos atribuladas, cruzando-me com a disposição, a agilidade e a antecipação que Mário Soares dedicava aos acontecimentos. Foi, sem qualquer dúvida, uma figura indispensável à implantação da democracia no nosso país, que nos levou, a todos, a respirar a liberdade. Diversos amigos meus, de espírito e cultura bem conservadores , acabaram por reconhecer a superior cultura política de Mário Soares. E, não deixando o seu conservadorismo nem a nossa amizade, sempre o respeitaram e o ouviram com atenção. Mesmo após as suas presidências e numa fase muito mais adiantada da sua vida, nunca deixaram de ouvir com cuidado as suas previsões e as suas antecipações políticas. Mário Soares esteve sempre politicamente acompanhado embora, por vezes e por sua decisão, se afastasse de questões e pessoas com cujos comportamentos não concordava.
Duas figuras notáveis da sociedade portuguesa, um jornalista e um escritor, escreveram sobre ele:
Os adversários desavisados investem contra ele, crentes de que o poderão destruir. Os adversários lúcidos procuram manietá-lo ou diminui-lo, mas sabem ser impossível liquidá-lo. (VITOR CUNHA REGO)
Mário Soares… é o homem da tolerância, do compromisso, da bonomia, da convivência ideológica. Um Presidente da República tem de ser isso: alguém com uma intransigência total na defesa da liberdade e com uma grande compreensão e tolerância perante tudo o mais. (ALÇADA BAPTISTA)
Mário Soares foi, seguramente, o político mais importante e reconhecido do século XX português. Para além do “Portugal Amordaçado” escreveu muitas outras obras das quais talvez se possam distinguir: “Português e Europeu”, “A Incerteza dos Tempos”, “A Crise e Agora”, “Um mundo em Mudança”, “Portugal tem saída” (com a participação de Teresa de Sousa), “Um Político Assume-se”. Fernando Henrique Cardoso, ex-Presidente do Brasil, escreveu um livro sobre Soares que intitulou de “O Mundo em Português”. O jornal “O Público” editou uma trilogia sobre Soares a que chamou: “Ditadura e Revolução”, “Democracia” e “O Presidente”. A Imprensa Nacional Casa da Moeda (INCM) editou 9 volumes contendo todas as intervenções de Mário Soares. E, segundo li, vai agora reeditar toda a obra do ex-Presidente.
Mário Soares foi um apaixonado pela cultura e por isso não admira que Júlio Pomar o tenha retratado, para a galeria dos Presidentes, com a espantosa obra que acima se reproduz.
Este texto não é mais do que um desabafo muito sentido a favor de um Homem e de uma Causa que tão importantes foram para Portugal. Seria bom que as gerações mais recentes que, eventualmente, não o conheçam tão bem, possam aprofundar os seus conhecimentos sobre alguém que lhes permitiu assumirem hoje as opiniões que melhor entenderem sem que, por isso, sejam criticados ou punidos. Sim, porque isso já aconteceu há bem pouco tempo. E talvez, dessa forma, se possa compreender melhor a intenção do abaixo-assinado que por aí corre. E ainda nem sequer há aeroporto… Saibamos honrar os nossos!
Gostei muito deste seu desabafo…! Nem sempre fui um devotado apreciador de Mário Soares…! Talvez, por defeito meu, em não conseguir sair de uma visão de política mais prudente. Mas apreciei, sobretudo, a sua dinâmica e a sua vontade de impulsionar este país para o futuro e para a modernidade. Penso muitas vezes, como estaria este país, se não tivesse havido aquele célebre comício da Alameda, onde a democracia se regenerou, escutando a sua voz exaltada, a sua coragem e o seu Fair Play. Tenho a sensação, de que o país ficou órfão de um orientador carismático, favorecendo-se todo esta forma doentia em que o Parlamento se habituou a discutir os destinos da nação…!.
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Eu quero honrar MÁRIO SOARES
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Muito, muito bem !
Nunca é demais lembrar e exaltar os nossos valores humanos e democráticos. Contra os invejosos e os despeitados.
Grande abraço
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