Os Homens não se esquecem

Depois de alguns textos de natureza mais séria e, talvez, menos divertidos, andava há dias desejando escrever sobre coisas alegres, bem dispostas, poéticas,  que também as há. Mas, mais uma vez, tive de adiar essa minha intenção. Há dias morreu um grande amigo meu, um amigo do tempo de guerra, um homem respeitabilíssimo, que deixa muitas saudades a um grande círculo familiar e de amigos e que, na sua qualidade de militar, é bem recordado pelos seus antigos camaradas . São diversas as pontes para a saudade mas esta é uma das mais dolorosas para aqueles que tiveram oportunidade de o conhecer e de saber das suas proezas. António da Rocha Afonso Tição, militar da Armada, engenheiro, criador de uma vida e de uma família.

Conheci-o como Chefe do Serviço de Máquinas a bordo de uma Lancha que foi afundada em Goa, na Índia, quando do conflito militar de Dezembro de 1961.  Tinha, na altura, 28 anos e dedicava às suas funções todo o seu empenho, lealdade e conhecimentos. Nas tremendas e inimagináveis atribulações por que se passou naquele dia 18 de Dezembro, sempre se comportou com enorme dignidade, tanto com a restante guarnição, como com o seu comandante. Na operação de afundamento voluntário da Lancha (que não foi, como se calcula, empreendimento fácil) acompanhou o comandante até à fase final, já depois de toda a restante guarnição ter desembarcado, e só com muito esforço foi convencido a sair do navio, deixando ao comandante a condução final da operação. Mesmo assim, a tudo assistindo de perto. Tudo isto se encontra relatado num livro publicado pela Editora Colibri, com o título “A Última História de Goa”. Os tempos que se seguiram não foram fáceis para nenhum dos membros da guarnição da Lancha. Os tempos,  as visões políticas e militares da época,  sempre se opuseram ao progresso normal daqueles Marinheiros. O Afonso Tição não foi promovido a oficial, como merecia, e, desgostoso pela injustiça de que era alvo, passou à reserva, deixando o serviço da Marinha,  licenciando-se em engenharia civil. Teve uma notável carreira profissional, como seria natural, acabando por se reformar na idade que a vida lhe determinou. Encontrámo-nos bastantes vezes, fomos sabendo da evolução das nossas famílias. Vi-o feliz com tudo o que tinha construído depois do destempero de que tinha sido alvo. Ficámos amigos para sempre. Amizade criada em conjunturas quase únicas, irrepetíveis, mas que consolidam os homens em face a outros homens.

Desapareceu de repente, sem avisar, deixando os amigos e a sua enorme família atordoados. Um Homem que viveu momentos únicos na sua vida militar e cuja carreira lhe foi, progressivamente, recusada. Por isso decidi fazer hoje este texto porque, com o conhecimento dos momentos difíceis com ele vividos, sei ir ao encontro da saudade dos seus camaradas de armas que, até à semana passada, ainda se reuniam com ele, numa tertúlia semanal que continuará, agora, incompleta. Até sempre Tição.

7 pensamentos sobre “Os Homens não se esquecem

  1. Um texto que nos faz lembrar uma parte da vida em que nos tornamos mais homens, além do que nos foi ensinado pelos nossos pais. Que nos faz recordar, como nunca nos sentimos isolados num ambiente de boa amizade e camaradagem…!

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