Há jardins espalhados por todo o mundo, por todas as cidades, quase por todas as terras por onde passamos. A internet faculta-nos, com imensa exuberância, a visão de jardins extraordinários, alguns onde já estivemos, outros onde nunca iremos. São, de uma forma geral, todos muito belos, exóticos e, normalmente, sempre com uma razão original para a sua criação. Uns servem apenas para alindamento de paisagem, de usufruto e lazer para as populações. Muitos deles, de carácter mais intimista, são fruto do encanto e do desvelo dos seus criadores que lhes dedicam boa parte do seu tempo plantando novas espécies, acarinhando-as, dizendo, até, que quase lhes falam. Acredito e conheço muitas dessas íntimas vivências e não me custa acreditar que se estabeleça um diálogo surdo, mas romântico, entre o o criador e a flor plantada. Nunca criei esse tipo de empatia, embora aprecie muito a beleza das flores e a deslumbrante imagem dos jardins coloridos, perfumados, respirando vida. A vida natural que hoje tanto se reclama e à qual, em boa hora, se tem vindo a regressar. Já há prédios nas cidades recobertos com hectares de jardins e modulações vegetais para tentar compensar o abate criminoso que o homem tem levado a cabo das zonas verdes que julgava serem-lhe supérfluas.
Mas há muitos jardins públicos que, ao longo dos anos, foram criados para homenagear pessoas que, em vida, terão deixado legados inesquecíveis. Por vezes, com o passar das memórias, os nomes dos homenageados dissolvem-se na espuma dos tempos e só com repositórios históricos nos lembramos, de novo, dessas personalidades e da importância que elas tiveram nas sociedades dos seus tempos.
É o caso de um jardim que visitei há dias no Campo Grande, no dia da sua inauguração, a que a Câmara Municipal de Lisboa deu, para mim em boa hora, o nome de Jardim Mário Soares. Fui, desde há muitos anos, por diversas razões, próximo, não íntimo, de Mário Soares e do trabalho gigantesco que desenvolveu ao longo dos anos. Desde a sua juventude e com um longo percurso com o antigo regime, sempre se apresentou nas barricadas da oposição, ligando-se a outras grandes figuras do seu tempo, defendendo os seus amigos, em causas politicamente perdidas, no Tribunal Plenário de Lisboa, sempre tratado pelo regime vigente como pessoa a eliminar.
A vida fez dele, na realidade, o fundador da democracia em Portugal, após o golpe militar de 25 de Abril de 1974. A sua longa história de combatente, a sua enorme rede de conhecimentos e de excepcionais relações no exterior recomendavam-no, na realidade, para o protagonismo que teve até ao fim da vida. Homem polémico, sem dúvida, sabendo ligar os actos simples da vida com as enormes responsabilidades que assumiu em nome de Portugal, deram-lhe uma credibilidade e reconhecimento internacionais sem paralelo entre nós. Tenho muitos amigos que não pensam como eu nesta matéria. Não o desligam de decisões e comportamentos que, nas suas opiniões, poderão ter prejudicado o país. Não é este o momento nem o local para prosseguir esse debate. Pessoalmente sempre me identifiquei muito com os seus atrevimentos, normalmente em antecipação às ideias correntes, e muito lhe apreciei a imutável amizade que dedicava aos seus verdadeiros amigos, mesmo quando, em alguns casos, eram acusados de factos com os quais ele próprio não concordava. Também sei que não esquecia algumas infidelidades de que foi alvo por parte de alguns seus conhecidos, num contraponto de personalidade que nunca pôs em causa o que lhe era verdadeiramente essencial: a luta pela Liberdade. A Liberdade de que todos hoje usufruimos mas que nem todos se apercebem como é difícil ser conquistada.
O Jardim agora inaugurado poderia chamar-se “Jardim da Liberdade”, utilizando as palavras do actual Presidente da República, mas com o nome de Mário Soares é também, implicitamente, de Liberdade.
Este pequeno memorial inclue uma frase do seu livro “Portugal Amordaçado”, editado em França em 1972 e com a sua primeira edição em português em Outubro de 1974. Acho que foi uma boa escolha. Para quem não recordar ou não tiver lido, o livro é dedicado a Maria de Jesus Barroso, sua Mulher, António Sérgio, Bento de Jesus Caraça, Jaime Cortesão, Manuel Mendes, Maria Isabel Aboim Inglês e Mário de Azevedo Gomes, a quem apelidou de “Mestres de Civismo”.
Sim, fui ao Jardim Mário Soares e relembrei muita coisa a que assisti durante muitos anos. O Presidente da Câmara propôs, na inauguração, que aquele local fosse destinado a um espaço público de Liberdade para se poder falar do que, civilizadamente, se entender. Um espaço de Mestres de Civismo para cultivar o Civismo em Liberdade. No Jardim Mário Soares.
Vou vê-lo. Vê-lo. Vê-lo não, senti-lo !
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Tenho muito pena de não me ter apercebido ( ou de me ter esquecido com a preocupação do desfile na Avenida) da inauguração do Jardim Mário Soares, caso contrário teria estado presente.
Tenho a certeza que o nome de Mário Soares, como muitos outros ligados à luta pela liberdade ficará na História, como ficaram os heróis liberais que puseram fim ao absolutismo. Aqueles que tem responsabilidades políticas nacionais ou autárquicas devem começar a pôr mãos à obra
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Os meus pensamentos estavam bem longe desta realidade lisboeta. Achei interessante que este assunto tivesse sido trazido para a nossa leitura. Quem melhor merecia ter o seu nome perpetuado num dos mais maravilhosos jardins, senão mesmo Mário Soares ? Um político que lutou pela liberdade, durante os tempos da ditadura e continuou a lutar nos tempos de incerteza após o 25 de Abril…! Quem não se lembra daquela noite da Alameda D. Afonso Henriques ? Do comício do Palácio dos Desportos, acompanhado do Mon Ami Miterrand ?
Ninguém está isento de ter cometido erros. E Mário Soares cometeu alguns, no meio daquela parafernália de opiniões e decisões, a confundirem-se com uma liberdade que parecia já não existir…!
Tenho uma grande ligação com aquele jardim do Campo Grande, pelos anos maravilhosos em que andei no Colégio Moderno, propriedade do Doutor João Soares, pai de Mário Soares. Pessoa de ar austero e disciplinador, sempre apoiado na sua bengala, à porta do seu gabinete no átrio de entrada, cumprimentando todos os alunos que chegavam para as aulas.
Talvez devesse dizer que nem sempre nos cumprimentava de mão cheia, pois uma das condições para aquele acto, era o de ter boas notas, o que nem sempre me acontecia…!
Talvez agora mais, cada vez que por lá passe, me lembrarei daqueles nomes que ficarão sempre ligados à nossas vidas, mesmo que tenham sido de longe…!
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Os meus pensamentos estavam bem longe desta realidade lisboeta. Achei interessante que este assunto tivesse sido trazido para a nossa leitura. Quem melhor merecia ter o seu nome perpetuado num dos mais maravilhosos jardins, senão mesmo Mário Soares ? Um político que lutou pela liberdade, durante os tempos da ditadura e continuou a lutar nos tempos de incerteza após o 25 de Abril…! Quem não se lembra daquela noite da Alameda D. Afonso Henriques ? Do comício do Palácio dos Desportos, acompanhado do Mon Ami Miterrand ?
Ninguém está isento de ter cometido erros. E Mário Soares cometeu alguns, no meio daquela parafernália de opiniões e decisões, a confundirem-se com uma liberdade que parecia já não existir…!
Tenho uma grande ligação com aquele jardim do Campo Grande, pelos anos maravilhosos em que andei no Colégio Moderno, propriedade do Doutor João Soares, pai de Mário Soares. Pessoa de ar austero e disciplinador, sempre apoiado na sua bengala, à porta do seu gabinete no átrio de entrada, cumprimentando todos os alunos que chegavam para as aulas.
Talvez devesse dizer que nem sempre nos cumprimentava de mão cheia, pois uma das condições para aquele acto, era o de ter boas notas, o que nem sempre me acontecia…!
Talvez agora mais, cada vez que por lá passe, me lembrarei daqueles nomes que ficarão sempre ligados à nossas vidas, mesmo que tenham sido de longe…!
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