NÃO GOSTEI DAS PALMAS

Discutiu-se ontem na Assembleia da República quatro propostas sobre a designada “Despenalização da Morte Assistida (mais conhecida por eutanásia)”. Um tema extremamente sensível, em que as dúvidas são mais que as certezas para a maioria das pessoas e em que as incógnitas, no último e definitivo passo antes da morte,  suscitam todas as interrogações:  humanas, religiosas, científicas, sociais, éticas e sempre, mesmo sempre, muito pessoais. Tenho lido artigos e ouvido opiniões diretas de pessoas que passaram pelo terrível flagelo de assistirem às fases desesperadas de entes queridos e não saberem o que fazer para lhes aliviar o padecimento. Casos em que a medicina declara, no tempo presente, a sua incapacidade de as libertar da dor e da cura, e de não lhes poder sequer proporcionar um estado de vida e de alma suportável. Se esse ente querido deseja e pede (como sabemos já ter acontecido) que o poupem ao sofrimento, de livre vontade e com total conhecimento de causa, que fazer? É uma terrível e dolorosíssima situação pela qual ninguém deseja, na realidade, passar. Muitas vezes esse indizível sofrimento termina com morte súbita, embora esperada, e o familiar respira, interioriza os seus sentimentos e desabafa muitas vezes : “Foi melhor assim, o sofrimento era muito.”

Este é um dos pontos fulcrais da vida e da morte. Ter piedade e tentar humanizar aqueles últimos momentos é um dilema para o acompanhante,  confrontado com o angustiante pedido que lhe terá sido feito pelo seu familiar, cuja solução lhe deixará sempre uma marca indelével: de tormento ou de respeito por um dever cumprido. Não me vou alongar sobre um assunto tão difícil e já tão debatido. Para isto se constituiram, em todo o mundo,  comissões de diversas especialidades e pensamentos para tentarem encontrar a fórmula ajustada a este terrível dilema.

Em Portugal, como noutros países, os representantes políticos têm tentado assumir posições em nome do povo que representam (ou, em alguns casos, dizem representar). Posições que, em boa verdade, como todos eles bem sabem, se confrontarão sempre, sem exceções, nos sentimentos individuais do paciente e do acompanhante. Mas admitimos que o problema deva ser abordado da forma como foi ontem na Assembleia da República. Foram apresentadas quatro propostas para votação e cada um dos partidos com assento parlamentar, tendo ou não elaborado propostas, expôs, com veemência e, aceitemos, com sinceridade, as suas opiniões sobre o tema e sobre as propostas apresentadas. Assisti ao debate e não me desagradou a forma categórica como cada interveniente discutiu a sua forma de pensar (ou a do partido a que pertence). Foi evidente e perpassou por todos os assistentes que se estava a tratar de um assunto muito melindroso cuja votação final não era antecipadamente conhecida. Como provavelmente não seria a do povo que ali estava a ser representado. A essência do debate era a clarificação das ideias, o debate das vantagens e desvantagens, sabendo que, umas e outras,  iriam sempre contribuir para um diálogo mais alongado, mais pormenorizado, sempre respeitador dos princípios humanos, científicos, éticos. Nunca haveria vencedores nem vencidos,  pela simples razão de que, como todos sabiam, o assunto teria sempre continuidade no futuro, eventualmente até com mais avanços técnicos da medicina.

Nenhuma das propostas mereceu aprovação e, portanto, o assunto foi retirado ou, seguramente adiado. Mas assistiu-se, no final a grandes salvas de palmas por parte dos votantes que tinham votado contra as propostas. Porquê? O que ganharam? Teria havido uma boa oportunidade para se cumprimentarem, votantes a favor e contra as propostas. Era esse o equilíbrio humano que o povo desejaria ter visto, sem especulações nem posições aterradoras apresentadas nas ruas.

Por tudo isto não gostei das palmas!

2 pensamentos sobre “NÃO GOSTEI DAS PALMAS

  1. Um assunto muito difícil de conseguir um consenso alargado e que levará muitos anos a formalizar-se na opinião pública. Pessoalmente, já tive várias alterações de opinião e não consigo encontrar, dentro dos meus parâmetros morais e sentimentais, mesmo que uma sublime forma de terminar o sofrimento, desistindo-se da vida…!
    As palmas…! Bem, essas eram bem dispensadas…!

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