Quer queiramos ou não, nenhum de nós ficará indiferente ao 14 de julho francês, relembrando a tomada da Bastilha e revivendo a eterna trilogia da “Liberté, Egalité, Fraternité”. Podemos achar que os franceses pecam por “chauvinismo”, por um ligeiro preconceito de superioridade e nunca esquecemos as invasões de que fomos vítimas, por parte das tropas francesas napoleónicas que, além de destruirem bens e pessoas, daqui retiraram muito património artístico nem todo recuperado. Foram épocas difíceis que o passar dos tempos foi temperando e que nos fez, portugueses e franceses, estarmos juntos muitas vezes lutando pelas mesmas causas. Com mais ou menos razão, mas foi isso que se passou. Uma coisa é, no entanto, indiscutível: as enormes e variadíssimas raizes culturais que sempre se foram intensificando entre os dois paises e a solidariedade que, em tantas ocasiões , a França soube demonstrar para com o nosso país. E não foi por acaso que durante as décadas de 50 e 60 do século passado grande número de portugueses emigraram para França. Paris chegou a ser a segunda cidade da Europa, a seguir a Lisboa, com mais cidadãos portugueses. Fomos acolhidos com tolerância, ao princípio, com respeito e apreço nos tempos que se seguiram. As malas de cartão, as “femmes de ménage”, os lugares de porteiros fazem parte dessa fase da nossa história que, felizmente, foi substituida pela fase que, desde há anos, decorre ao serem desejados os licenciados e investigadores portugueses, para trabalharem nas mais famosas universidades e laboratórios franceses. Quer numa fase, quer noutra, os portugueses sempre foram considerados gente séria, de bem, cumpridora e altamente interessante para a vida social francesa. E assim se mantém. Apreciar a língua, a arte e a cultura francesas é, para a nossa geração (a geração com mais de 60 anos), tão natural como afetivo e quase genético. Não é, na realidade, o que se passa hoje. Os nossos jovens foram envolvidos pela necessidade da língua inglesa e o francês passou a ser, para eles, algo quase tão distante como o mandarim. Tenho pena, mas é assim.
Por todas as razões que resumidamente aqui deixei nunca fico indiferente com o “14 juillet” francês. Eles têm os meios e a necessidade política de fazerem do 14 de julho um dia nacional relevante. Foi o que aconteceu ontem. Para além das cerimónias oficiais e paradas militares passaram a ter a tradição, desde há anos, de montar e produzir um maravilhoso espetáculo de música clássica, tendo como fundo a Torre Eiffel, a que chamam “Le Concert de Paris” e ao qual assistem, nas áleas e jardins anexos , uma multidão da ordem de meio milhão de pessoas. Claro que é tudo transmitido pela televisão para grande parte do mundo, transmissão essa que também nos chegou através da RTP2. Foi um concerto deslumbrante, talvez melhor do que o do ano passado, completado com outro concerto de fogo de artifício que nos agarrou (para quem quis, claro) à televisão durante cerca de duas horas. Como diria o Chico Buarque: “Foi linda a festa, pá!”
Mas hoje, 15 de julho, a França ganhou o campeonato do mundo de futebol. Talvez muita gente não se interesse por estas coisas superficiais e da espuma dos tempos mas, para os franceses, foi, sem qualquer dúvida, a cereja em cima do bolo. A festa é enorme por toda a França, a 14 e 15 de julho, e compreende-se bem que seja assim. Não esquecemos o que foi a nossa vitória sobre a França na final do campeonato da Europa de 2016 e como o nosso país rejubilou e se empertigou socialmente. Provavelmente não poderíamos ter ganho este campeonato do mundo, como se viu, e alguns outros paises, também nossos amigos, mereceram o nosso apoio sentimental. Apesar de os franceses terem ficado amuados e incompreensivelmente despeitados com a nossa vitória de 2016, acho que é altura de lhes devolver, com “fair-play”, a simpatia pela sua vitória e o reconhecimento da excelente equipa que puderam apresentar. Afinal somos ambos campeões, nós da Europa, eles do mundo. Fica tudo em família.
Foi linda a festa, Pá!!!
De facto, a festa foi linda, Pá…! Aquelas vozes, que ainda hoje ecoam no meu cérebro, das soprano Aida Garifulina e Patrícia Petibon. O barítono Mathias Goern, os solista Renaud Capuçon, fazendo arrancar notas impossíveis do seu violino e a magistral interpretação de Khatia Buniatishvilli, ao piano…! Foram tantas, as áreas de óperas, que sempre nos apaixonaram e educaram os nossos ouvidos, a prenderem-nos áquele pequeno ecran, já de há muito, sequioso de bons espectáculos…! Hector Berlioz, ( Marcha Hungara, da Danação de Fausto ). Giuseppi Verdi, (Brindisi, da Traviata ). E o desfile continuou com Borodine, Giacomo Pucini, Saint Saens ( Mon coeur s´ouvre a ta voix ), John Williams ( Um desconhecido para mim, em a Lista de Schindler ). O encanto da música melo-dramática de Rachmaninov, ( 3º Andamento para piano nº 2 ), George Haendel, Dimitri Chostokovitchi, Vicenzo Bellini ( Casta Diva, de Norma ) também cantada no último ” Festival ao Largo ” do Teatro S. Carlos, Leonardo Bernstein, e Jaques Offenbach, na sempre encantadora ” Barcarola ” dos Contos de Offman…! E a grande finale, com a Marselhesa…! Paris, com o seu Champ de Mars, nesta última noite de 14 de Juillet, ficou mais maravilhosa e mais iluminada.
Não ! Paris, não está a arder, como alguém quiz…! Foi a Europa, nos seus melhores momentos…! Au revoir, mes amis…!
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Completamente de acordo com o teu excelente texto caríssimo Manel!
Viva a França!!! Sou também um dos seus muitos admiradores, das suas gentes, e especialmente da sua cultura.
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