Curioso, como um simples postal, encontrado nos fundos de uma gaveta, nos leva a reflectir sobre episódios da vida…! Episódios, já há muito esquecidos, não fora algumas vezes, motivos de conversas curtas ou de circunstância.
Quatro anos e meio vividos na cidade de Aveiro, deram-me a oportunidade de contactos e de ouvir histórias vividas no mar. Daquele mar longínquo e frio dos Bancos da Terra Nova. Histórias de pesca, num solitário dóris, à mercê de nevoeiros súbitos, que se aproximassem traiçoeiramente, e de aventuras de quem pretendia pescar o máximo, à linha, até encher a pequena embarcação, não obstante o enregelamento das mãos, sempre molhadas pela água salgada.
Histórias de lugres e dóris, com gente decidida e de têmpera. Vidas de sacrifício a roçar o heróico, tão distantes dos seus lares e amigos.
St. John´s, era o porto de acolhimento, sempre falado com o entusiasmo de quem , num misto de saudade e alegria, o via à chegada ou à partida após uma safra bem sucedida.
É maravilhoso, ver ao fim de tantos anos, pelo Google, o que foi aquela frota branca, que todos os anos, pela mesma altura, se concentrava naquele porto de abrigo, num labirinto de mastros de várias nacionalidades. Pois, em ” Portuguese sailors in St.John´s in 1980´s ” , mostra-se bem o que eram os elegantes Cisnes Brancos, como o oficial da marinha australiana e escritor Alan Villiers, lhes chamou no seu livro “ O último Cisne Branco “. Refería-se ao magestoso e elegante Argus. Lugre de quatro mastros, onde conviveu com a tripulação, durante cinco longos meses, a acompanhar a faina de pesca do bacalhau. Um extraordinário testemunho de como eram difíceis aqueles tempos…!
Muitas vezes, passeei pelos cais das Gafanhas, em Aveiro, apreciando a azáfama de apetrechamento para novas aventuras. Belos navios veleiros, de um alvo branco, manchados de ferrugem, a demonstrar bem, como difícil tinham sido as suas vidas em alto mar…!
Interessante, verificarmos, como todas estas vivências poderão, talvez, ter influenciado as pinturas das casas das praias daquela zona, nomeadamente a Praia da Costa Nova, com as suas cores garridas aproveitando os efeitos dos antigos palheiros, lembrando as gravuras policromáticas de St. John´s...!
Do quase mítico Argus, apenas se sabe que foi vendido em 1974, para fazer passeios turísticos nas Caraíbas, acabando num abandono lastimável, após várias vezes posto em leilão por dívidas da empresa proprietária. Sabe-se, pelo que já li, que finalmente foi readquirido por uma empresa de pesca de Aveiro, para o reabilitar nos seus próprios estaleiros das Gafanhas. Salvou-se o ” Creoula “, ainda com muitas histórias para vir a contar, adoptado em boa hora pela nossa Marinha de Guerra…!
Somos um país assim…!
Um belo texto. Vivi também alguns meses em Aveiro no período de Agosto73 a Abril de 74, no ao tempo Regimento de Infantaria 10 onde servi. Ali ouvi muitas histórias dos pescadores e bacalhoeiros desses tempos, naquele ir e vir à Terra Nova. Muitas delas contadas por um comandante de lugre, que tinha antes sido meu contemporâneo no final do nosso tempo liceal. Outros tempos, que Aveiro de hoje passou por grandes mudanças, urbanísticas naturalmente, mas também da sociedade local
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Bonita descrição evocativa. Conheci o Argus e tive um amigo, oficial da Armada, que viveu dez anos em St. John desempenhando as funções de coordenação do Porto. Fico feliz por saber da possível recuperação do navio. Não sabia.
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