ÁRVORES DE FAMÍLIA

Sejamos ou não botanicamente credenciados, de uma forma geral, todos somos sensíveis às belezas naturais das flores, das árvores e das florestas. A maior parte de nós não sabe, seguramente, os nomes em latim das espécies que nos rodeiam e com as quais convivemos.  Nos exames liceais do meu tempo (segundo quartel do século passado…) éramos obrigados a saber os nomes de algumas plantas nas suas versões originais e os nomes dos respetivos classificadores ( Fucus Platycarpus Thur era a nossa conhecida bodelha, a Spirogyra Longata Kutz era uma alga filamentosa e outras que já não recordo nem me apetece ir procurar). Sem que tenhamos de visitar jardins botânicos  ou estufas quentes ou frias, as cidades estão hoje cheias de árvores maravilhosas que nos deleitam a alma e nos deslumbram a vista, se tivermos o cuidado e o tempo para pararmos um pouco para as admirar. Não sou perito nestas “artes” mas admiro quem as estuda ou estudou e permite, direta ou indiretamente,  que convivamos com essas espécies maravilhosas, coloridíssimas ou não mas sempre disponíveis para o nosso afeto. Nuns discretos canteiros de minha casa são plantadas e bem tratadas diversas espécies, mais ou menos floridas, cujo desenvolvimento vou acompanhando com os naturais estímulos a quem, tão dedicadamente, as criou e quase com elas conversa.  São bonitas as flores e imponentes as árvores.

Vem esta introdução a propósito de “árvores de família”. Esta designação improvisada tem a ver com duas liturgias diferentes que se ligam a espécies mais ou menos nossas conhecidas. Começo pelos sobreiros, os sobreiros do nosso país, que se estendem por regiões imensas aproveitando o clima deste sul europeu a que temos a sorte de pertencer. Os montados de sobro sempre foram uma marca das nossas terras, quase um símbolo das nossas paisagens. Com a vantagem, desde sempre, de,  com o seu descasque, se obter a maravilhosa cortiça que tem vindo a ganhar protagonismo comercial em todo o mundo. O lucro obtido com as suas vendas tem sido tão generoso que a sua plantação tem vindo a aumentar significativamente. Com a enorme vantagem dos proprietários pouco se ocuparem com o seu tratamento e aguardarem apenas, com ansiedade, o ano do descasque para que a cortiça, encaminhada para os industriais, lhes dê as tão desejadas vantagens financeiras. São as “árvores de família”, acarinhadas e estimuladas a não faltarem com “aquilo” com que o resto da família vive…  São icónicas para a paisagem mas dependendo de “famílias” exigentes. Mas eis que, nas décadas de 80 e 90 do século passado surgiram enormes surtos de mortalidade nos montados de sobreiro, tanto em Portugal como no sul da Europa e norte de África. Os sobreiros têm vindo a ser atacados por pragas de difícil eliminação. Sem entrar em pormenores especializados registei os ataques de insectos desfolhadores, cobrilha da cortiça, platipo e, talvez a mais recente, a praga de “Platypus cylindrus” trouxeram índices de mortalidade acentuados. A ação de insetos e fungos, as elevadas frequências de descortiçamento (descascagem) e a falta de limpeza de terrenos circundantes têm também contribuido para o agravamento da crise. Mas as entidades apropriadas têm vindo a travar os combates mais adequados e as “famílias” empresariais, não sentimentais, aguardam pelos progressos e pelas receitas.

História e liturgia bem diferente é a que se vive na Nova Zelândia onde um terrível fungo, ameaça as árvores Kauri ali existentes. Uma delas, Tane Mahuta, com cerca de 2500 anos de vida,  conhecida por Lord da Floresta, com cerca de 60 metros de altura e 15 de largura do tronco, poderá ter uma infeção fatal no prazo de seis meses.  Outras árvores Kauri estão também ameaçadas. E não há cura para esta patologia.  Mas aqui a “família” é diferente: a Tane Mahuta é considerada para o povo Maori como uma forma litúrgica de medir o tempo. Para os Maori aquela árvore faz parte ancestral da família. Para eles, perder árvores como aquela é o mesmo que perder membros da “família”. Neste caso trata-se, realmente de família sentimental, de “alguém” que se venera com um complexo virtuoso de muitas gerações e de muitos sentimentos.

Árvores de Família, todos temos as nossas, que criamos, acompanhamos e que nos deslumbram, apenas porque são a nossa família. Como acontece com os Maori.

Um pensamento sobre “ÁRVORES DE FAMÍLIA

  1. Achei muito interessante, esta ligação às árvores. Não sei se Palmira Bastos, lhes teria dado a mesma importância em ” As árvores morrem de pé “, como a raça Maori dedica as suas atenções às Tane Mahuta.. Com quinze metros de diâmetro, seguramente morrerão também de pé, sem haver machado que as corte…! Sinceramente, não conhecia este tipo de árvores, e muito menos a associação familiar a estes gigantes da Natureza, embora saibamos, que o Imbondeiro é um dos símbolos de Angola, as Sequoias Vermelhas, com o Estado da Califórnia, o resistente Bambú, com o Japão e China, e o Eucalípeto, com a Austrália.. Também, a talhe de foice, a Cidade de Lisboa, com o Jacarandá. do Brasil, tão apreciado quando abrem as suas flores azuis, anunciando a Primavera..! Gostei muito desta crónica, até porque vivo no meio de árvores, voluntáriamente…!

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