Li no Jornal do Algarve um texto assinado por Carlos Albino, cronista pontual deste periódico, no qual ele recorda um texto de Miguel Torga, que eu não conhecia e que achei extremamente curioso. O texto agradará mais ou menos aos algarvios ou aos não algarvios mas, transportado pelas afinidades que tenho com a região, não resisti à tentação de o transcrever. Carlos Albino foi sábio em revelar o texto de Torga e acredito que muitos estarão de acordo com ele. Aí vai:
O Algarve, para mim, é sempre um dia de férias na pátria. Dentro dele nunca me considero obrigado a nenhum civismo, a nenhuma congeminação telúrica nem humana. Debruço-me a uma varanda de Alportel e apetece-me tudo menos ser responsável e ético. As coisas de Trás-os-Montes tocam-me muito no cerne para eu poder esquecer a solidariedade que devo a quem sofre e a quem sua. E isto repete-se com maior ou menor força no resto de Portugal. Mas, passado o Caldeirão, é como se me tirassem uma carga dos ombros. Sinto-me livre, aliviado e contente, eu que sou a tristeza em pessoa! A brancura dos corpos e das almas, a limpeza das casas e das ruas, e a harmonia dos seres e da paisagem lavam-me da fuligem que se me agarrou aos ossos e clarificam as courelas encardidas que trago no coração.
No fundo, e à semelhança dos nossos primeiros reis, que se intitulavam senhores de Portugal e dos Algarves, separando sabiamente nos seus títulos o que era centrípeto do que era centrífugo no todo da Nação, não me vejo verdadeiramente dentro da pátria. Também me não vejo fora dela. Julgo-me numa espécie de limbo da imaginação, onde tudo é fácil, belo e primaveril.
Claro que Torga já escreveu isto há muitos anos e o Algarve de hoje talvez já não seja o que ele imaginou no seu limbo mental. Mas lendo e relendo, sobretudo todas estas entrelinhas, não deixo também de sentir um pouco este como que mistério que ainda persiste naquele “Reino” de aladinos e mouras encantadas.
Curiosa, a forma de apreciar o Algarve por dentro, como se estivéssemos a espreitar, debruçados sobre uma daquelas portas de Reixa tão típicas da Região..! Pouco li, de Miguel Torga, e muito curioso fiquei em descobrir o que mais ele escreveu sobre o Algarve.
Aquele ar calmo que descobri, da primeira vez que fui ao Algarve, senti-o de novo, ao ler esta feliz transcrição da crónica que nos foi presenteada. E Miguel Torga tinha razão, ao sentir-se aliviado de tensões, ao que hoje lhe chamaríamos de umas férias, mesmo curtas que fossem…!
Já agora, permitam-me que me refira a Tavira. Não aquela Tavira actual, de Agosto, mas de uma Tavira que nunca mais esqueci, também de um outro Agosto de há muitos anos, onde ainda se viam passar as carroças típicas puxados por muares, sem pressas, e se deixavam ouvir vozes de conversas entre pessoas, a ecoar nas paredes das casas senhoriais, que marcavam uma época passada, bem mais próspera. Talvez devido aos rendimentos das suas fazendas agrícolas, ou ainda da pesca do atum. O esvoaçar estonteante das andorinhas, nos vários largos ajardinados da cidade, e o seu piar, a romper o silêncio sonolento de um fim de tarde ainda quente…!
De Tavira, ainda o bulício característico de um Mercado Municipal, pela frescura da manhã, antes de ir para a praia, numa mistura de cheiros de fruta e hortaliça e as vozes vindas das bancadas dos peixeiros, a anunciar os seus lotes de peixe fresco, acabado de chegar da lota.
Ainda o barco ronceiro, que nos levava à ilha, sem preocupação de horários. Partia, quando estivesse cheio, cabendo sempre mais um, às escondidas do olhar da polícia marítima.
Não sei se Miguel Torga, escreveu algo mais sobre o Algarve. Fiquei curioso…!
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