Os holandeses são , de uma forma geral, simpáticos, respeitadores, organizados, mas muito audaciosos nos seus hábitos e legislações. Com uma pitadinha de petulância aqui e acolá não deixam de ser, no entanto, gente em quem se pode confiar. Há por lá o AJAX e o PSV Eindhoven que costumam fazer a vida negra aos clubes de futebol portugueses, há o “Red District” para onde a malta vai passear e ver as montras (só ver) e há lojas onde, livremente, se vendem os tais “cigarrinhos p’ra rir” que parece estarem a passar um bocado de moda. Já há coisas mais substanciais e, nem sempre, legalizadas. Fizeram há uns anos uma lei a autorizar a eutanásia mas só agora vai ser apreciado o primeiro caso em tribunal. Enfim, para um país que gosta de vender tulipas e outras flores (algumas importadas de Portugal), que conquistou ao mar mais área de terra do que aquela que tinha originalmente e que conserva ainda, em Amsterdão, a maior área de canais do que qualquer outra cidade da Europa (sim, mais do que Veneza ou Aveiro) não se pode dizer que seja um país de somenos. Até porque estão cheios de sedes de empresas que lá se instalam para pagarem menos impostos. E é de lá aquele ministro das Finanças, que foi substituido pelo nosso Mário Centeno, que disse que os países do sul recebiam dinheiro para “gajas e copos”. País, portanto, basicamente simpático.
Eu já conhecia também, como coisa notável, “O Holandês Voador” (Flying Dutchman), navio fantasma lendário condenado a navegar nos oceanos até ao fim dos tempos. Dizem as lendas que o seu comandante, Bernard Fokke, enviava mensagens de pedido de socorro , nunca se soube de onde, que acabaram por se transformar, com a passagem dos tempos, num augúrio condenatório. Esse navio do século XVII (classificado como barca) continuará a navegar, misteriosamente, no imaginário histórico de todos nós, com o reforço de obras artísticas, pinturas e peças musicais, que ainda mais enfeitam a encenação holandesa.
E é agora, de repente, que aparece mais um notável holandês. Um tal Emile Ratelband, de 69 anos de idade, que se intitula de guru, e que diz não sentir a idade que tem. Por essa razão pôs um processo no tribunal de Arnhem para, oficialmente, reduzir a sua idade em 20 anos. Pretende que o dia do seu nascimento seja alterado de 11 de Março de 1949 para 11 de Março de 1969. Diz ele, se calhar com alguma razão, “que para questões de trabalho ou créditos bancários, ao declarar a idade de 69 anos todos os pedidos são rejeitados”. Ratelband afirma que o seu médico lhe diz ter uma saúde e corpo de 45 anos pelo que se auto-intitula como um “jovem deus”. O juiz concordou, em parte, com os seus argumentos dizendo que, anos atrás, a mudança de género também não seria imaginável. Mas perguntou-lhe também : “Que dirão os seus pais sobre esta sua mudança de nascimento?” Respondeu rapidamente: “Os meus pais já morreram.” Disse também que, dessa maneira, renunciaria à pensão de reforma. O Ministério Público alegou que a mudança de idade exigiria futuras inspeções médicas para avaliar também o seu “estado emocional”. “Apenas questão de bom senso”, disse o advogado de Ratelband.
Bom, meus amigos, com o avanço dos costumes e das tecnologias preparem-se para o que der e vier. Se calhar vão ter que devolver grande parte das pensões de reforma que já receberam. Não exagerem na antecipação do nascimento para não morrerem, aos 30 e poucos anos, nos braços não se sabe de quem…
Sempre habituados a uma vida cheia de regras, quase que aritméticas, sem alterações substanciais, eis que nos aparece mais uma figura, a pretender alterar a placidez das águas deste lago em que navegamos todos os dias…! Embora muito longe dos sobressaltos causados por alguns políticos, que nos tiram o sono a que temos direito, este bem disposto holandês, talvez venha a revolucionar os arquivos dos Registos Civis, ao meter uma marcha a trás no tempo, o que não deixaria de ter graça, vermos o tempo a recuar uns bons pares de anos e regressar a uma nova idade, através de um simples decreto…! Achei esta crónica muito curiosa e imaginei, como muita gente nos diria : – O senhor está muito desgastado para a idade, coitado, o que é que se passa…? Ou ainda, a impossibilidade de tomar o lugar de prioridade nas filas das Repartições Públicas, das Farmácias e dos Supermercados, mesmo que tivéssemos a pernas a vergarem-se de cansaço. E eu, que não quero ser velho, por nada desta vida, acharia a ideia ainda mais interessante, se por ventura, com a retirada de umas dezenas de anos, pudesse voltar a ter uma boa cabeladura, os músculos peitorais, abdominais, bicípetes, e ainda uma nítida audição, tudo bem mais apropriado à verdadeira juventude…! Mas, como não vivo na Holanda, e as coisas por cá, andam sempre mais devagar, tenho que me reduzir à minha envelhecida existência, com a esperança de andar por cá mais uns anitos, a esconder-me dos trapos…!
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