57 minutos, “breakdance” e bicicletas

O título deste texto não é, propriamente, muito esclarecedor,  mas foi o que, subitamente, me ocorreu para falar de três assuntos desportivos poupando-me, assim, de escrever três textos separados que seriam, decerto, cansativos.

Vamos ao primeiro tema: o dos 57 minutos. Na passada semana, um jogo de futebol do principal campeonato português teve a duração, em tempo útil, de 57 minutos. Dos 90 regulamentares com mais cerca de 4 de compensações,  jogaram-se apenas 57. Claro que isto não é normal e independe das equipas em causa nesse jogo, porque esta prática tem vindo a ser muito vulgar no nosso campeonato. Quem está mais familiarizado com o assunto sabe que o tempo não jogado é utilizado em paragens  decorrentes, na maior parte das vezes, de faltas simuladas, atrasos evidentes de reposição da bola em jogo, agressões destemperadas por parte dos falsos atletas que integram as equipas (falsos atletas porque jogam pouco à bola mas muito à luta livre, ignorando a ética desportiva e o “fairplay”), um conjunto, enfim , de habilidades que são treinadas e programadas antecipadamente. Os árbitros tentam intervir mas, em muitas ocasiões, ignoram porque têm medo de represálias (vá-se lá saber de quem…). E esta obscenidade desportiva campeia pelos nossos estádios levando a que as estatísticas europeias já coloquem o nosso futebol nos últimos lugares do “jogo jogado”. Os melhores atletas não se perfilam, na sua maior parte, com estes comportamentos,  mas num campeonato menor como o português, onde têm lugar jogadores cujos antecedentes se desconhece, esta prática tem-se instalado despudoradamente. E as entidades responsáveis fazem pouco ou quase nada. Fala-se do assunto durante dois dias  para tudo ser esquecido a curto trecho. Há formas a que se pode recorrer para disciplinar este assunto mas, para tal, seria preciso ter a aprovação das instituições internacionais que gerem a modalidade. E daí o silêncio é ensurdecedor! O mesmo se passa com o desmando das claques que se transformaram em gangues assustadores para os adeptos normais. Também para este caso continuamos sem encontrar a fórmula adequada para o restabelecimento da paz e do são convívio nos estádios. Há países que têm tomado, para ambos os temas, algumas medidas preventivas  com resultados,  mas entre nós tudo isto continua a ser aceite. Porquê? A educação, desportiva em particular, tem sido negligenciada e o ponto a que chegámos é dificilmente reversível. Pensemos nos 57 minutos e pensemos, sobretudo, no que poderá ser feito para eliminar toda esta vergonha.

O assunto seguinte é o do “breakdance”. O “breakdance” já foi admitido como modalidade experimental aos Jogos Olímpicos de 2024 de Paris, em conjunto com o “surf”, a escalada e o “skateboard”.  E já começaram, claro, as controvérsias sobre os âmbitos e os objetivos olímpicos, com os responsáveis aparentementemente mais interessados nas receitas do que na fidelidade ao espírito olímpico. E há quem pergunte: “Então quando chegará a vez da valsa, do tango, da corrida de sacos ou de trotinetas? “. Tudo ainda depende da decisão final do Comité Olímpico Internacional, em Março, mas as desconfianças já são muitas. E o Rugby? Há anos que se candidatam (embora de forma pouco organizada) mas esta oportunidade não os fará desistir. Os organizadores dos Jogos defendem-se, claro, invocando a modernização da vida, do desporto e do mundo. E que estas experiências poderão contribuir para o “aggiornamento” olímpico.  Mas, juntamente com os “e-games” que já se propuseram  e programaram receitas financeiras colossais, duvida-se que o COI, tão precisado de cidades que realizem os Jogos e com a escassez financeira que ameaça todas as atividades económicas, não venha a tolerar aquilo a que as velhas correntes do olimpismo tão denodadamente sempre se opuseram. Será que esta quase inevitável e melindrosa viragem poderá trazer uma maior expansão do espírito olímpico ou, em contra-ponto, acarretará uma amálgama de provas, de muito difícil gestão? Embora contando com o muito dinheiro que essas novas provas  possam conseguir, é bom não  esquecer que os Jogos são realizados por cidades com recursos financeiros cada vez mais discutíveis para acorrer a infraestruturas suplementares para albergarem as modalidades durante 15 dias e ficarem a deteriorar-se durante anos. Esperemos pelo progresso deste debate.

Sobre o problema das bicicletas é muito interessante o artigo da jornalista Jean-Julien Ezvan, enviada especial do Le Figaro a Copenhague. Para quem viu na televisão a série dinamarquesa “Borgen” terá ficado maravilhado com a Primeira Ministra a deslocar-se até ao Parlamento de bicicleta. Foi o suficiente para que o Primeiro Ministro dinamarquês, Lars Lokke Rasmussen (este,  um primeiro ministro real) rejubilasse com o facto de a Volta à França em Bicicleta, em 2021, se iniciar em Copenhague, depois do mesmo ter acontecido em 2019 e 2020, em Bruxelas e Nice, respetivamente. A Dinamarca e os organizadores do Tour já planearam 3 etapas neste país: um primeiro contra-relógio individual de 13 km nas ruas de Copenhague; uma segunda etapa de 190 km, de Roskilde até Nyborg, durante a qual os ciclistas serão sujeitos a ventos fortíssimos que por ali sopram durante todo o ano; e, finalmente, uma terceira etapa de 170 km, entre Vejle e Sonderborg, que antecederá a mudança de país.  Sua Alteza Real o Príncipe Frederik considerou este facto um orgulho para a Dinamarca. Nada a dizer, portanto.

Mas gostaria de relembrar os cuidados que deve haver com o uso da bicicleta nas cidades. Nós, por cá, estamas a começar essas “estafetas” lúdicas e com aparentes bons resultados. Estive há bem pouco tempo em Copenhague onde pude apreciar, com bonomia, as multidões de ciclistas a quem devemos dar prioridade nas suas pistas dedicadas. São aos milhares. Só em Copenhague há 379 km de pistas cicláveis, num total de 12.000 km que se espalham por todo o país. Dizem eles que, por dia, os dinamarqueses percorrem, em bicicleta, uma distância de 1.390.000 km, o equivalente a 330 Voltas à França. O que eles, no entanto, não dizem é que as bicicletas para uso urbano (pelo menos em Copenhague onde estive) se amontoam por toda a parte, abandonadas sem regra, impedindo, em muitos casos, o livre percurso dos peões.  A manutenção daquela indiscrível frota era, pelo menos à vista, deplorável e pouco cuidada. Parece que sai mais barato substitui-las do que repará-las. Que sejam felizes com a sua participação na Volta à França mas não me privo de dizer que os peões são bem menos atendidos que os velocípedes. Desejo, com este pequeno texto , evitar que, num futuro próximo, sejamos “atropelados” da mesma maneira. Mas como somos mais refilões que os dinamarqueses pode ser que a coisa não se estrague tanto. A volta à França não começará em Lisboa mas a Volta à Espanha já por aí andou…

Um pensamento sobre “57 minutos, “breakdance” e bicicletas

  1. A actividade do futebol profissional de alta competição é na generalidade uma desgraça, uma deseducação.
    Ao reler um livro de José Régio, deparei com estas duas quadras. alusivas ao futebol, que fazem parte do poema ” Havia na Cidade” de 1968 :
    HAVIA NA CIDADE ESTÁDIOS AMPLOS O BASTANTE
    PARA ACOLHEREM TUBBAS QUE OS ENCHIAM DE LÉS A LÉS
    ANSIOSAS DE SEGUIREM UMA BOLA SALTITANTE
    E UNS HOMENS DE CALÇÕES DANDO-LHE PONTAPÉS

    O JOGO ERA REGRADO POS LEIS ÉTICAS
    DESPORTO -EDUCAÇÃO EIS O BINÓMIO
    MAS NAS TARDES DE GLÓRIA, AQUELAS MASSA APOPLÉCTICAS
    DESCOMPUNHAM-SE A UIVAR, COMO UM MANICÓMIO

    E no tempo do Régio ainda não tinham aparecido as claques…

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