Quando ia começar a escrever um texto sobre Antonio Pappano fui surpreendido pela morte de Franco Zefirelli e não resisti a, de imediato, perscrutar as semelhanças destes homens tão diferentes.
Comecemos por Franco Zefirelli, talvez o último dos grandes mestres/artistas do século 20 e que se extingue agora, deixando, para quem o acompanhou e apreciou, um perfume inesquecível de talento artístico que derramou, ao longo dos anos, através das suas múltiplas obras no panorama artístico mundial. Zefirelli nasceu em Florença, em 1923 e acaba de morrer em Roma, neste mês de Junho de 2019 (96 anos). Foi, sobretudo, conhecido pelos espantosos filmes que criou e realizou mas a sua vida desenvolveu-se, durante os anos 50 do século passado, como maravilhoso encenador de mais de 120 óperas líricas. Percorreu sempre as passadeiras da moda, definindo estilos e engalanando modelos. Arriscou-se como realizador de cinema e, em 1968, viu premiado o seu famoso “Romeu e Julieta” que todos recordamos. Só para mencionar alguns outros filmes produziu “La Traviata” em 1982, “Jesus de Nazaré”, o “Chá com Mussolini” em 1999 e talvez a sua obra mais famosa, “A Fera Amansada” (de Shakespeare) em 1967, em que o papel principal foi desempenhado pela inesquecível Elizabeth Taylor.
Nasceu como filho ilegítimo, foi homossexual assumido, manteve relações prolongadas com Luchino Visconti e foi apaixonado por Maria Callas. Foi político, senador por Catânia de 1994 a 2001, filiado no partido Forza Italia e amigo pessoal de Silvio Berlusconi. Personalidade polémica e desconcertante não deixou de ser admirável em todas as suas intervenções artísticas: os seus pareceres eram ouvidos e respeitados. A sociedade artística mundial habituou-se à personalidade impressionante de Zefirelli e, na altura em que ele desaparece, é justo que lhe deixemos uma palavras de apreço e encantamento.
Antonio Pappano é outra história, embora também encastrada nos meios artísticos da música clássica. Filho de pais italianos que emigraram para Inglaterra em 1958, aí nasceu e cedo se dedicou ao piano e às escolas de música. O pai, embora trabalhasse na restauração gostava, ele próprio, de cantar música clássica. Aos 13 anos de Antonio, a família foi para os Estados Unidos onde o jovem teve oportunidade de estudar piano, composição e direção de orquestra. Regressado a Inglaterra já adulto Pappano foi, em 2002, escolhido como diretor musical da Royal Opera House de Covent Garden, o mais jovem diretor de sempre. O seu contrato era até 2021 mas, a pedido da instituição, prolongará a sua direção até 2023. Porquê esta quase indispensabilidade na Orquestra? Os seus antecedentes nos últimos 40 anos explicam um pouco: de Londres passou por Bayreuth e pelo Monnaie de Bruxelas. O seu sentimento e perfeição musicais leva-o a trabalhar individualmente com os cantores e a inspirar-lhes formas e tonalidades de cantar passagens específicas das óperas que dirige. Músicos e cantores não o dispensam e constituem, como eles próprios dizem, autênticas famíias.
Quando lhe perguntaram se o Brexit o inquieta foi rápido a responder que sim, muito. E para o mundo da ópera o caso é muito evidente. Como se resolverão casos de urgência? “Quando de manhã um cantor adoece e não pode participar na sessão da noite há que encontrar, em qualquer parte da Europa, um substituto que conheça a ópera e que esteja disponível. Se isso exigir os controlos de vistos e passaportes é melhor esquecer. O mundo da música clássica não conhece fronteiras, é universal”. O já Sir Antonio Pappano recebeu, entre muitas distinções, o Prémio Vitorio de Sica, em Itália, que lhe foi entregue, em 2010, pelo Presidente Napolitano.
Aqui ficam as analogias entre duas personalidades artísticas e tão diferentes. Zefirelli parte, deixa-nos saudades e vontade de rever, com cuidado, a sua obra. Pappano está, como se percebe, na rota dos inesquecíveis, para os quais os estímulos são fundamentais e a atenção para as suas obras, que são de hoje, deve ser incrementada.
Aproveitei hoje a coincidência destas duas personalidades. É, pelo menos, um apontamento de apreço.
Bom e didáctico texto.
Talvez a coisa que mais me impressionou em Zefirelli foi o seu filme ‘Romeu e Julieta” por ter sido a primeira vez que vi os personagens principais interpretados por jovens com aproximadamente a idade dos representados
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