Nas recentes e emocionantes negociações que se realizaram entre os países da União Europeia foi votado, por maioria, o nome de Ursula von der Layen para Presidente da Comissão Europeia, substituindo nesse cargo o sempre bem disposto e “cambaleante” Juncker que sucedeu, por sua vez, ao inolvidável português Durão Barroso que, devido às suas habilidades para as “ciências ocultas”, acabou por ver proibida a sua entrada nos areópagos de Bruxelas por onde se tinha passeado, comprometido com quem não devia (segundo se diz) , deixando na sua esteira uma fama “pegajosa” que não abonou muito a reconhecida dedicação portuguesa em cargos de maior visibilidade. Felizmente que outros têm conseguido abafar essa problemática intempérie. Jean Claude Juncker, com a sua esperteza de muitos anos, lá foi conseguindo “baldear o convés” com a tremenda e inopinada ajuda do Brexit para onde todas as atenções se passaram a voltar.
Mas falemos de Ursula que é quem aqui nos traz hoje. Mulher de pose espartana, amiga de confiança da Merkel, e, segundo se diz, rigorosa em gestões das coisas públicas, assume-se como mãe de família, elegante, sendo a segunda mulher Presidente da Comissão depois da italiana Maria Malfatti em 1970/72. Claro que nos tempos que correm e na Europa perturbada em que vivemos o seu nome, origens e personalidade seriam sempre contestadas por uns e enaltecidas por outros. Devo confessar que conheço mal os seus antecedentes mas as suas mais recentes aparições e discretos discursos mereceram a minha simpatia. Até pelo contraste físico com o outro espécime feminino que parece ir para o Banco Central Europeu, Christine Lagarde. Essa sim, com nariz adunco e o seu eterno lenço ao pescoço, assusta-me. Temos memórias infelizes durante a sua estada no FMI e isso, provavelmente, não ajuda.
Mas regressando à Ursula, o mundo europeu espantou-se com a criação de uma comissão a que deu o nome de “European Way of Life” (Modo de Vida Europeia, em tradução apressada), entregando esse cargo ao grego Margaritis Schinas, especialista na longa e dolorosa empreitada das migrações. As interrogações foram muitas, oriundas de quase todos os países, e Ursula viu-se na obrigação de vir a público esclarecer o que pretendia com a criação desta nova pasta. Começou por relembrar o Artigo 2 do Tratado da União Europeia que transcrevo: “A União funda-se nos valores do respeito e da dignidade humana, da liberdade, da democracia, da igualdade, do Estado de direito, assim como no respeito dos direitos do homem, incluindo-se os direitos das pessoas pertencendo a minorias. Estes valores são comuns aos Estados membros numa sociedade caracterizada pelo pluralismo, a não-descriminação, a tolerância, a justiça, a solidariedade e a igualdade entre as mulheres e os homens.” Se os partidos da chamada direita europeia se têm vindo a apropriar de conceitos de exclusão, de intolerância ou populismo será agora, talvez, a altura de recuperar e modernizar os termos fundadores da União, relativamente aos quais ninguém se atreve a recusar. Uma coisa será a convicção ou não de pertencer à União, outra, bem diferente, seria a de recusar os conceitos do tal artigo 2 do Tratado. Claro que o problema das migrações tem um papel preponderante na vida da Europa e na forma de pensar da nova Presidente. Ela assume o fenómeno migratório como um dado concreto que tem alterado o “stato quo” europeu nos últimos anos. Países, grupos e tendências têm tentado demonstrar a influência perniciosa da chegada à Europa de cidadãos de outros países em fuga da miséria, da não-vida, das perseguições, de totalitarismos obscenos e, já em muitos casos, às terríveis alterações climáticas que começam a transformar o mundo e a criar, em muitos países e continentes, situações intoleráveis de vida. No outro prato da balança estão, como se sabe, os que são introduzidos por máfias incontroláveis, com objetivos declaradamente políticos e perniciosos para as sociedades organizadas e democráticas. Ursula não recusa a migração impondo-lhe, no entanto, regras de controlo que, embora já em parte existentes, se têm revelado, até agora, pouco atuantes e de difícil concretização. As correntes migratórias, em todos os continentes, vieram para ficar e não parece que construir muros ou barreiras seja a solução para as transmutações que se estão e vão continuar a verificar. Muitos países com problemas sérios de demografia (pelo envelhecimento ou circunstancial diminuição de população) podem ter benefícios com imigrantes devidamente qualificados, adaptados e inseridos nas suas sociedades. Ursula propõe-se fazer isso, com cautelas e novas medidas de integração. Disse ela na conferência de imprensa que: “Para a maior parte de nós a noção de vida europeia não necessita de explicação: trata-se, simplesmente de uma realidade quotidiana”. Claro que estas afirmações deram origem a um tumulto de críticas e opiniões desencontradas. Mas não deixa de ser interessante apreciar com cuidado a ideia subjacente à declaração da Presidente. Os conservadores europeus vão aplaudir à saciedade, os menos crentes na Ursula vão apelidá-la de muitas coisas menos abonatórias. O Comissário grego é que se vai “ver grego” com a empreitada que lhe arranjaram.
Talvez valha a pena aguardar pelo desempenho de Ursula para podermos, daqui a algum tempo, pronunciarmo-nos com mais certezas sobre aquilo que já terá feito em comparação com o que diz que vai fazer. Até porque, com o Brexit à porta, também ela se “vai ver grega” com esse “romance”.
Foram muito bem focados, alguns dos aspectos, que têm ocupado as preocupações os europeus, sem se aperceberem, como tudo fragiliza a sua coesão. A Europa, agita-se ainda com alguns problemas de crescimento e de personalidade. Além do preocupante Brexit, com a perda de um dos elos mais valiosos, pela sua experiência internacional, a somar à intolerância de algumas opiniões, à entrada intempestiva de milhares de imigrantes, a Europa, vai-se fechando na sua rodoma civilizacional. Talvez sem se aperceber das situações dramáticas, impensáveis para o modo de vida ocidental, faz pensar, quem conhece um pouco da vida africana, como os sacrifícios de uma aventura forçada, pelo medo e pela miséria, que uma má preparação das independências, algo apressadas, trouxeram aos povos a Sul do Saará…! Nem todos compreendem ou se esquecem, talvez nunca souberam, como a impreparação e a ingenuidade desses povos, foram levados a situações insustentáveis, num perfeito abandono de uma autoridade internacional, que em tempos os formou como países e em dado momento, os tornou descartáveis…! De uma forma geral, África, será sempre o grande parceiro de uma Europa próspera, que num futuro próximo se verá isolada, carente de matérias primas essenciais para o seu desenvolvimento, perante a emergência de novos poderes internacionais, bem mais determinados e expansivos. Talvez, Ursula, com o pragmatismo germânico, consiga consciensialisar uma Europa bem mais determinante a ajudar África, ajudando-se também a si mesma…!
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