Depois de Lisboa, Roma

Já apareceram neste blogue textos, de autores diferentes, comentando o desgosto pelo encerramento definitivo de dois cafés bem conhecidos da velha  Baixa Lisboeta:  a “Central da Baixa” e a “Suiça”. E havia também o “Monte Carlo” com a sua tertúlia artística e “reviralhista”, ainda dos velhos tempos em que dois à mesma mesa já era uma multidão com direito a polícia política na mesa ao lado. Para as nossas novas gerações o assunto pouco lhes diz. Têm andado por outras zonas e  transformaram diversos pontos da cidade em novas “catedrais” de convívio. É normal e acontece em toda a parte. Também daqui a alguns anos a “Zona do Arco”, como eles agora lhe chamam (no fundo,  é o velho Arco Cego do nosso tempo) deixará de ser o seu centro de “imperiais” e aparecerão outros locais que os seus filhos e netos acabarão por reinventar. Lá se salvou a “Mexicana”, por decisão municipal, e ainda resistem o “Vává” e o “Luanda” que sempre tiveram clientelas diferentes mas sempre muito dedicadas. E vão aparecendo outros,  também muito acolhedores e simpáticos,  que vão albergando os “expatriados” dos extintos “conventos de café e de convívio”.  Pela Suiça, no Rossio, ainda têm passado boas doses de turistas quando repetem os seus apetites lisboetas. Para esses ainda resta, apesar de tudo e em abono das suas preferências, o velho “Nicola” que a “sagração” mural de Bocage conseguiu resgatar do camartelo (o bife à Nicola lá continua).

Vem esta introdução a propósito da ameaça que sobrevoa, em Roma,  o mais que famoso Caffé Greco na Via Condotti, perto da Praça de Espanha. Poucos seremos os que por lá não passaram nas suas mais ou menos frequentes visitas à capital italiana. Ir ao Caffé Greco e pagar 7€ por  um café,  o que em Lisboa daria para um pequeno almoço completo,  é quase o mesmo que ir a Roma e não ir ao Vaticano (com sorte, aos domingos, até de poder ver o Papa. Ao longe, claro…). O Greco foi inaugurado em 1760 e por ele passaram as maiores celebridades dos últimos séculos : desde Buffalo Bill com um grupo de “cowboys” em 1890, antecipando-se a Charles Dickens, Henry James, Orson Welles, Jonh Keats (que viveu quase ao lado), Audrey Hepburn, Sophia Loren, Elizabeth Taylor e a Princesa Diana. E é com este lastro histórico que o atual proprietário do Greco, Carlo Pellegrini, se vê confrontado agora com um aumento de renda de 18.000 € mensais para 120.000 €. O proprietário é o Hospital Israelita de Roma, entidade privada que está, no entanto, integrada no sistema público de saúde italiano. Um género de uma P.P.P. à portuguesa que, por cá,  seria o suficiente para semanas ou meses de confrontos parlamentares. Também em Itália a coisa não está a ser fácil.  Claro que o proprietário desencadeou um processo em tribunal no qual foi acompanhado e patrocinado pelo Grupo Italia Nostra que iniciou, de imediato, uma série de eventos culturais na Sala Rossa do Café. O seu Presidente já declarou que “a ideia do Caffé Greco desaparecer da face da terra é absolutamente intolerável”. O governo italiano também já assumiu o facto como não plausível e entende legislar nesse sentido. O próprio Hospital Israelita já disse  que o Caffé Greco não fechará, continuando a viver ali como nos últimos 250 anos. Mas suspeita-se que os novos patrocinadores do Greco assumirão uma renda bastante mais alta. Quanto, ainda não se sabe. Temos por cá uma experiência semelhante, a do Café Império que, apesar de ter sido comprado pela IURD, foi preservado devido a  intervenções oriundas de setores muito diversificados da sociedade lisboeta (município incluido). E ainda por lá se continua a comer o melhor “bife à café” que se conhece em Lisboa.

A evolução do mundo traz coisas muito boas mas também desfigura, muitas vezes, patrimónios que são tão caros a muitas gerações.  Em Lisboa como em Roma, e em muito outros locais do mundo, é indispensável que os responsáveis pelos patrimónios artísticos sejam competentes para avaliar e preservar o que, verdadeiramente, representa a história desses locais.

2 pensamentos sobre “Depois de Lisboa, Roma

  1. Felizmente, posso dizer com muito orgulho e alguma nostalgia… “eu ainda sou do tempo”… em que, principalmente na época natalícia, e durante vários anos da nossa adolescência, combinávamos, eu, amigas de infância e a minha irmã, fazermos compras na Baixa, no Chiado quase propositadamente para passarmos na “Suíça”, cometermos o pecado da gula e convivermos com grande prazer, carinho e amizade. Um prazer. Gargalhadas. Boas conversas. Jamais esquecerei esses mágicos momentos que por lá passámos. As compras, essas, não me perguntem quais eram. Apenas eram.
    Ainda no outro dia, falámos sobre o “chocolate quente” da “nossa Suíça”…

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  2. Gostei muito do tema, abrindo-me o apetite um pouco desgastado, nos últimos tempos…! Por cá, também seria uma Ronda Turística a nível nacional, se ainda existissem…! Foi este o meu pensamento, ao recordar este tema maravilhoso, dos nosso bons anos. E muito oportuno, por sinal, quando vemos tudo a desaparecer, pela sofreguidão financeira, que o mundo atravessa. Salvam-se alguns salões de apreciação daquele tão saboroso café de saco ou um simples Simbalino, como se chama lá para as terras do Norte ! Curto, pingado, cheio ou ainda de chávena escaldada para os mais requintados sépticos…! Talvez, por este último caso, eu bebo com a mão esquerda, em certas circunstâncias, para não beber pelo mesmo lado da chávena, de toda a gente…! Mas, surpreendentemente, aquele Chave d´Ouro, que tantas vezes acompanhei o meu pai, nas idas ao Porto, nunca o esquecerei, é hoje, um dos famigerados Mac Donalds…! Salve-se o Bife à Nicola, com as batatinhas a boiar naquele molho apetitoso, até à última garfada…! Muito bom !

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