A CASA INTELIGENTE

Desde sempre que a casa inteligente é a que nos permite deixar a chave debaixo do tapete, dentro do vaso das flores ou pedir ao vizinho que nos guarde uma cópia. Casa inteligente era a que permitia que os ardinas, antes da sua desaparição total, nos lançassem, com invejável pontaria, o jornal diário bem dobrado em laço que caía, com ruido característico,  na varanda do nosso primeiro andar. A casa inteligente era, enfim, aquela onde os pais se encontravam com os filhos, brincavam com eles no chão e cantavam cantigas em conjunto. Já havia água quente  de esquentador, havia cronogramas apertados para utilização da casa de banho, de manhã, para que houvesse tempo para o pequeno almoço e toda a gente chegasse a horas aos seus destinos. Essas eram as casas inteligentes de antigamente. Ainda as há assim mas com uns suplementos a mais, quase universais, os fantásticos “smartphones”, que eliminam as conversas pessoais e distanciam os elementos do agregado. Mas, enfim, ainda dão ares às casas inteligentes de outras eras.

A casa inteligente de hoje, para  quem possa e a  deseje ter, é muito mais complexa e sofisticada. A essa nova especialidade de “domesticação” de casas chama-se “domótica” (analogia linguística oriunda de outras origens) e, com ela, consegue-se fazer tudo sem mexer uma palha. Com o telemóvel (ligado a um conjunto imenso de sistemas) pode-se abrir a porta à distância; as luzes são acendidas em sequência que o telemóvel venha a definir, em função do meu percurso; a televisão e a internet são ligadas à minha aproximação, muitas vezes sem tocar em botão nenhum; o aquecimento e, portanto, a temperatura dos diversos compartimentos,  é atuado em função das minhas necessidades; os equipamentos domésticos são ligados quando, à distância, se atua no famoso telemóvel; a segurança da casa é automática e está ligada a imensos centros de prevenção e socorro, prevenindo incêndios, assaltos, inundações, etc..; pode haver assistentes vocais com anúncios auditivos prevenindo roubos e outros alertas. Fantástico! Viver assim parece ser viver à prova de bala. Mas não!…  A domótica já está a ser atacada pelo cibercrime.  Desde 2016 que se percebeu que todos os objetos residenciais ligados ao nosso comando estão a sofrer ataques informáticos de forma massiva. Um virus a que deram o nome de “Mirai” passou a controlar centenas de milhares de utilizadores daqueles dispositivos. Através dos servidores que encaminham as informações de comando os “intrusos” podem bloquear todos os sistemas. E mais: se lhes for conveniente podem ter acesso a todos os dados pessoais dos proprietários dos comandos. Essa invasão combate-se com outros sistemas mais sofisticados, para anular estes intrusos, o que transforma estas ações de comodidade no lar em verdadeiro inferno informático, com as despesas suplementares que essas contra-proteções acarretam.

Pois é:  a casa inteligente é a outra, a primeira, aquela em que os filhos brincam com os pais, em que há chaves escondidas em sítios que só a família conhece, em que as famílias comem juntas à mesa e dizem os disparates que lhes apetecem, em que o uso do telemóvel é moderado e se contam excelentes anedotas. Há quem se engasgue a rir com esses disparates mas não fazem ideia o bem que isso faz! Perguntar aos filhos como lhes correram os testes desse dia,  para que eles estejam à vontade para dizer “que não foi lá grande coisa”. Mas é assim, é a vida, para a próxima será melhor. Esta é a casa inteligente que não precisa de domótica mas exige tolerância, paixão e espírito de sacrifício para ir ligar a máquina da roupa  e fazer o café para todos. É preciso tempo para tudo isso, para estar à mesa, beber o café e conversar. Esta é a Casa Inteligente.

 

 

2 pensamentos sobre “A CASA INTELIGENTE

  1. Sistematicamente, o homem, mesmo que não queira, vai evoluindo, mesmo que devagar, aproveitando a tecnologia criada por ele próprio. Talvez, aos mais novos, as adaptações não se façam sentir tão lentamente, pela razão do seu espírito receptivo estar naturalmente aberto ao ensinamento, criando, rapidamente, outros hábitos de vida…! O que vimos e desejámos, nos nossos tempos, quando do aparecimento dos gira-discos automáticos, tocando sucessivamente, todos os discos que lhe colocávamos antecipadamente ? Ou o cinema a preto e branco, não esquecendo o que o ele ainda inspirava nos nossos gostos, desde a juventude, sempre a evoluir, para padrões de maior requinte e qualidade ? Ou ainda a máquina de barbear, em desfavor da simples Gillete ? E quantos de nós, já regressámos para as lâminas de barbear …? Quando o nosso querido amigo Eduardo, mencionou a máquina de balão, que nos deliciava com o cheiro de um bom café, feito à mesa, sem pressas, fazendo-nos convergir em conversas em redor dela, provocou em mim uma exclamação de júbilo, dando-me mais força a utilizar um desses balões de vidro, que comprei há cerca de cinco anos e ainda não consegui ultrapassar a resistência familiar, do efeito das cápsulas Nespresso…! Por curiosidade, ainda ontem à noite a coloquei sobre a mesa, para mostrar às minhas netas inglesas, tão habituadas à evolução dos tempos modernos. Desconheciam totalmente o sistema, mostrando-se muito interessadas pela ” novidade “, e ainda mais pela razão física do seu funcionamento, concordando comigo, sobre o efeito do conforto de uma boa conversa em torno de um bom café…! Pelo que constatei, para os jovens e não jovens de hoje, desde que não seja electrónico, é aceitável. E às vezes, o conforto, está bem mais perto de nós, quando podemos fazer a experiência de regressar àquilo que nos fazia sentir bem…!

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  2. Adorei o artigo , e já fiz a minha escolha : a minha casa inteligente , não tem informática ! É à antiga, como está descrito no texto que li , no final . Até me lembro do café feito na máquina de balão ! Vem-me o sabor à boca , e as conversas que a demora no servir proporcionava . Vou tentar induzir todos aqui em casa, a prosseguirmos com a nossa casa inteligente , e à nossa maneira !

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