Conforme prometemos, aqui vos deixamos a nossa conversa/entrevista do mês de Janeiro 2020. A primeira conversa foi publicada no mês de Dezembro de 2019 e teve, como nosso entrevistado, um ator teatral, Francisco Campos. Tanto o texto como o vídeo da conversa tiveram uma audiência animadora e sabemos que, muitos dos mais frequentes leitores do nosso blogue, divulgaram a informação por outros seus conhecidos. As estatísticas (que também acompanhamos) estimulam-nos quanto à criação desta iniciativa.
Neste mês de Janeiro virámos o nosso interesse para uma jovem cientista portuguesa, mudando do domínio das Artes para o da Ciência. Já podemos adiantar-vos que em Fevereiro o nosso entrevistado pertence ao domínio do Desporto (iremos fazendo informação paulatina para criar a expectativa que é sempre boa nestes casos).
Como já disse atrás a conversa deste mês é com uma jovem cientista portuguesa, Luisa Corvo, investigadora, desempenhando atualmente o cargo de subdiretora da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, com funções no Departamento de Farmácia Galénica e Tecnologia Farmacêutica, no Instituto de Investigação do Medicamento e no grupo BioNanoSciences – Drug Delivery and Immunotherapy. Os seus vastos apontamentos curriculares referenciam-na figurando na 2ª edição de “Mulheres na Ciência” em 2019. Vamos conversar um pouco com esta doutorada em Tecnologia Farmacêutica, Luisa Corvo, pedindo-lhe ajuda para decifrar os nomes das missões em que se encontra envolvida. Este texto é, naturalmente, o resumo adaptado da entrevista completa que poderão apreciar no vídeo que juntamos (filmagem, encenação e edição de Cristina Silva).
1ª Pergunta – Nasceste em Lisboa e, tanto quanto sei, cá viveste a tua juventude. Como foi essa juventude até à tua ida para a Faculdade?
Sim, nasci em Lisboa mas nunca me considerei uma lisboeta de pedra e cal. Sempre gostei do mar, de conviver com o mar e isso tem, claro, a ver com as minhas origens familiares algarvias. Mas não posso negar que sempre fui formatada pela vida lisboeta, pelas facilidades que ela me concedeu e pelas oportunidades que aqui sempre surgem. Viver em Lisboa ou em Tavira são coisas diferentes mas enquanto que na primeira me preparei, sem dúvida, para a vida profissional, sem saber qual, no sul sempre dispus do mar, do espaço livre, do tempo solto, e isso foram dois complementos essenciais para a minha formação e personalidade. Andei no Liceu Francês onde recebi um ensino de qualidade. Mesmo na época dos anos 70 o progresso do meu ensino não foi afetado e acabei por me ver confrontada com o acesso a um curso superior.
2ª Pergunta. – A escolha do curso foi por vocação ou por outros fatores externos?
Quando pensei num curso superior sempre afastei as matemáticas e as físicas de que nunca gostei. Nem de letras, principalmente as línguas para que nunca tive grande apetência. Acabei por escolher as Ciências cujo estudo tem mais lógica, é de menos “encornanço” e obriga-nos a mexer em coisas, o que para mim é importante. Por outro lado, sempre liguei a minha vida de estudante e profissional ao desporto. Praticar desporto, para mim, é indispensável. Dá-nos capacidade de resistência, de aguentar mental e fisicamente situações de superação e isso ajuda-me imenso no à vontade com que sempre me apresentei a provas orais. Gostei da Biologia e da Bioquímica e por isso sinto ter resolvido bem o progresso da minha vida.
3ª Pergunta – Porque resolveste avançar para o mestrado e doutoramento? Como foi o doutoramento na Holanda?
Foi uma sequência natural daquilo que, na realidade, mais me preenchia. À data não havia mestrados pelo que fui convidada para o doutoramento em Utrecht, na Holanda. Aí surgiram dificuldades acrescidas devido às necessidades de apoios. Fui conseguindo bolsas de estudo da Gulbenkian e da Comissão INVOTAN que me suportavam as despesas de estadia. Os custos da universidade eram cobertos pela universidade e lá consegui ultrapassar essa etapa. Viver na Holanda, por períodos mais extensos (4 anos no meu caso) do que os inicialmente previstos, não foram aliciantes. Faltava-me a forma de viver portuguesa, a visão do meu mar. A Holanda foi para mim um país relativamente constrangedor embora muito rigoroso profissionalmente e, após a apresentação da minha tese final, o pensamento foi voltar. Na altura já tinha lugar no, à data chamado LNETI, e portanto tinha um lugar seguro onde podia evoluir profissionalmente.
4ª Pergunta. – Ficar em Portugal na área científica foi uma opção? Foste convidada a ir para outros países trabalhar?
Teriam surgido oportunidades mas, como já disse atrás, não era esse o meu gosto. Viver em Portugal faz-me falta, viver o sol, o mar, a liberdade… Por outro lado as evoluções tecnológicas permitem-nos hoje estar em contacto com todo o mundo. Tenho notícias frequentes de minhas ex-alunas que estão no estrangeiro e com as quais vou trocando opiniões sobre os mais diversos assuntos.
5ª Pergunta. – Importas-te de resumir as tuas funções no Departamento de Farmácia Galénica e Tecnologia Farmacêutica e na BioNano Sciences?
Na época em que iniciei estas atividades ganhei uma bolsa de LNETI, INETI e, após a extinção, transitámos para a Faculdade de Farmácia. As minhas principais atividades foram a de investigação, que nunca abandonei, e a de acompanhamento de doutorandos. Esta atividade é, para mim, muito compensadora na medida em que falo com pessoas, troco ideias, dialogo, aprendo com elas e acho que, para isso, tenho jeito. Dou aulas de vez em quando mas não é coisa que muito me preencha profissionalmente.
Com o andar do tempo houve uma Diretora da Faculdade, a atual, eleita pelos seus pares, que escolheu alguns subdiretores, e um deles fui eu. Cá estou desempenhando as funções que me foram atribuidas, uma delas a de coordenar, pela Faculdade, as obras de construção de um novo edifício, com base num projeto de um autor já falecido há anos e que, com as complicações e exigências decorrentes da utilização de novos métodos e materiais, nos têm dado particulares dores de cabeça. Mas as coisas vão. Mas o que mais me cativa, e isso é a segunda parte da resposta, é a investigação bioquímica e farmacêutica, baseada nas nanotecnologias, uma nova área de prática e conhecimento que, tendo surgido há cerca de 30 anos, é hoje o método mais universal de investigação tecnológica. Os meus campos de investigação cruzam-se e complementam-se com muitos outros, oriundos de outros investigadores que podem estar noutros países, e contribuem para novos produtos usados em terapias ainda não superadas, mas com objetivos temporais bem definidos. “No trabalho reconheço que sou teimosa mas dando o braço a torcer quando me provam o contrário”.
6ª Pergunta. – Sei que sempre te tens dedicado ao Desporto. Como foi e como tem sido?
Desde muito nova que pratiquei desporto. Pratiquei equitação com algum relevo, basquetebol com muita intensidade, algum ténis, remo, artes marciais, natação, em geral coisas de mar. Fui federada de alta competição. Acho, como já disse há pouco, que o desporto é essencial para a minha a vida e para a vida de toda a gente. Dá-nos a auto-estima, a resistência, a capacidade de superação de situações ou ambientes mais hostis e isso, sem dúvida, é um instrumento muito útil para uma vida intensa e completa profissionalmente. Muitas vezes, quando estou envolvida na seleção de candidatos a lugares das minhas áreas, procuro nos curricula se há atividades desportivas. Em caso positivo, para mim, têm prioridade.
7ª Pergunta – Fazes parte de uma relação importante de Mulheres Portuguesas envolvidas em Ciência. Como vês o teu futuro nessa área e, em especial, na investigação? O que pensas da gestão e do desenvolvimento da Ciência em Portugal?
A Ciência, como é sabido, é um dos alicerces indispensáveis ao desenvolvimento de qualquer país. A Ciência começa por ser um investimento inseparável do Estado. Os governos, de uma maneira ou outra, sempre falam disso e das bolsas e financiamentos que estarão disponíveis para a Ciência. O problema é que nem sempre se cumprem. O já falecido ministro Mariano Gago deixou, nessa vertente, uma herança poderosíssima no despertar para a Ciência, na sua promoção e no seu financiamento. Os governos posteriores reduziram esse interesse e o atual, apesar, das dificuldades, vai recuperando, em diversos aspetos a capacidade instalada de apoio e financiamento. Um dos aspetos por que sempre me bati é o da igualdade do profissionalismo entre homens e mulheres. E embora esse diferencial esteja a diminuir o certo é que atualmente entram muito mais mulheres para a investigação mas, se formos ver a realidade empresarial, encontramos, nos postos superiores de gestão uma apreciável supremacia de homens. É uma luta que devemos prosseguir. Mas não devemos esquecer que há países (a Holanda, por exemplo, onde vivi) que destinam à Ciência valores que nada se assemelham aos disponíveis em Portugal. Depois, outro fator importante, é o da atividade privada. Poucos eram, há poucos anos, os empresários que procuravam para as suas empresas cientistas que os apoiassem no desenvolvimento de novos produtos com mais valias significativas. Hoje esse panorama começa a mudar e já há muitas empressas com protocolos de colaboração com Faculdades ou que contratam para os seus quadros doutorados em áreas de especialização que contribuem para o desenvolvimento qualificado da sua produção.
A conversa/entrevista termina aqui, mas não posso encerrar o texto sem uma citação importante de uma das suas doutorandas que trabalha atualmente, como Especialista de Qualidade na Pfizer, em Dublin: “A professora Luisa Corvo tem para mim todas as qualidades chave que um bom professor deve ter. Para além de uma competência e conhecimento excelentes ela tem a capacidade de saber explicar, de ser flexível, de incutir confiança nos alunos e estagiários de forma a torná-los independentes, de ser exigente no momento certo.
Embora já seja conhecida por muita gente, como se prova por tudo o que atrás se referiu, estamos certos que, com este texto de hoje, mais amigos nossos passarão também a conhecê-la. Uma cientista do nosso país.
Finalmente, após alguns dias de absentismo, abri esta pequena janela, e deliciei-me com uma das entrevistas mais interessantes, que poderia imaginar. Uma conversa sobre um mundo, que não sendo bem do meu conhecimento, me deixou feliz, por poder apreciar melhor o país que temos e o que poderemos contar para o futuro, em termos de desenvolvimento científico. Também, uma boa parte da juventude, com que poderemos contar para o seu enobrecimento. A vontade férrea, de uma jovem cientista, como Luísa Corvo, mostra, nesta amena conversa, como muitos dos jovens de hoje, abertamente, sem pretensiosismos, sentem o seu país, e o que a importância da mais valia do desenvolvimento tecnológico e científico, poderá trazer, definitivamente, para o enriquecimento da sociedade portuguesa, tão carenciada de novas ideias e iniciativas…! Pela minha parte, o meu Bem Haja…!
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