Perdoem-me os meus leitores por esta singradura intelectual e mental por um tema tão melindroso, com o qual eu e os da minha geração já convivemos há muitos anos. Não venho , naturalmente, fazer nem a aprovação nem a desaprovação do tema em si próprio. Considero-o demasiado pessoal para ser debatido com a desastrada declaração do “sim” ou “não”.
Nos idos dos anos 40 do século passado eu, e mais alguns de quem fui colega no Liceu e com quem ainda hoje me reuno (apesar da idade), fomos estimulados a debater este assunto com um padre jesuita, de enorme cultura e com imensa capacidade de ouvir e dialogar. Isto passa-se, portanto, há cerca de 70 anos, numa época em que estes temas não eram publicamente debatidos porque o sistema vigente os ignorava e, deliberadamente, os ocultava. Mas o padre Queiroz (era assim que ele se chamava) como nosso professor de Religião e Moral, achava que nos devia apresentar a sua visão do problema e, sobretudo, ouvir o que os seus alunos de 13/14 anos poderiam discorrer sobre o assunto. Era este, e outros casos, o seu catecismo. Por isso lhe presto esta homenagem. Claro que ele sabia muito bem para onde nos devia encaminhar mas nunca se furtou a esclarecer dúvidas, suposições, imaginações naturalmente pouco fundamentadas da parte de quem, pela primeira vez, era confrontado com tão difícil problema. Ficou a saber quais eram os alunos que mais perguntas punham e aos quais era mais difícil responder. Acho que ficou a gostar mais desses.
Passados alguns anos, já na década de 50 dos mesmo século, viemos, eu e os meus novos colegas de uma Escola Militar, a encontrar outro grande capelão que, abordando os mesmos temas, nos levava a discuti-los, agora com maior veemência, sempre ouvindo com enorme atenção e respondendo, como lhe competia, no sentido que a sua Igreja defendia e propunha como única solução moral aceitável. Mas argumentava, de forma muito envolvente, respondendo às difíceis questões que as idades dos 18/19 anos já exigiam. Ele sabia que aqueles alunos não mudariam a sua forma de pensar pela argumentação que lhes apresentava mas não se coibia de ouvir e, implìcitamente, aprovar muitas das questões ali levantadas. Foi um ano de convívio com um notável capelão que, pela sua cultura e empatia, chegou a Bispo da Forças Armadas. Sim, sei que tudo isto se passa antes de 1974.
Poderia apontar aqui mais algumas experiências que, ao longo da vida, fui acompanhando nos debates sobre este assunto. Mas não vale a pena. Desde que, felizmente, vivemos em democracia parlamentar, tenho assistido, com interesse renovado, a imensos debates sobre a eutanásia, o suicídio assistido, sobre os países que os admitem, as vantagens e inconvenientes que daí decorrem e até ouvi, ainda hoje, aflorar-se o problema da “eugenia” que é bem diferente da eutanásia e que, no seu tempo, levou muitos responsáveis políticos a namorarem tão “encantadora” ideia. Hitler foi um deles, o mais “voluntarioso” como se viu, mas, no seu princípio de vida, Churchill não se eximiu a debater o assunto. Felizmente desistiu.
Para a minha geração estas discussões não são, naturalmente, de menor importância e regozijo-me com o facto de haver propostas de lei que abordam, cuidadosamente, a delicadeza e dificuldade deste tema. Ainda bem, vivemos em liberdade e é de esperar, portanto, que as argumentações de hoje sejam bem mais fundamentadas do que as de há 60 anos. Com a convicção plena de que, seja qual for a solução encontrada, ela sempre terá os seus inabaláveis opositores. E por isso, a velha e eterna questão do século passado não ficará satisfatoriamente resolvida. Só espero que, vivendo-se em liberdade, como já referi, a solução a encontrar não seja ditada por conveniências políticas ou exclusivamente religiosas mas, antes, pelo reconhecimento incontornável do indivíduo e do que a Ciência nos possa aportar para maior esclarecimento de tão delicado problema.
Tema muito controverso, e sem querer adiantar muito sobre o assunto, digo apenas que se trata do Parlamento decidir sobre a despenalização da eutanásia. Trata-se de decidir um direito a, e não um dever ou obrigação. Trata-se de poder ou não passar por um processo, numa fase considerada de final de vida e em maior ou menor sofrimento, que implica o envolvimento e acompanhamento do próprio (consciente), de médicos, família e acompanhamento neuro psicológico apropriado para o efeito, para um poder de decisão sobre si mesmo. Nada é fácil. Mas, é um tema cada vez mais actual e que tem mesmo que ser decidido, não se resumindo de todo a um “sim” ou “não”.
Eu sou e serei sempre pela liberdade com responsabilidade, em consciência, com orientação e com respeito pelo outro.
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É verdade. Um tema demasiado melindroso, que deixa todos, entre o sim e o não, consoante o ponto de vista de ver o mundo, mais pela forma envolvente, como a sociedade e familiares, acolhem os que sofrem. Li, há muitos anos, numa revista qualquer, como uma certa etnia de esquimós, deixavam os seus familiares mais velhos, algures, já impossibilitados de caçar, num ponto alto dos glaciares, escolhido por ambos, onde só a neve e o gelo seriam os seus companheiros, até falecer congelado. Um quadro que sempre me impressionou, mesmo sabendo que um idoso, naquelas circunstâncias duras e difíceis de sobrevivência, seria sempre um empecilho aos mais novos. Como um ferido de morte, em tempo de guerra e na impossibilidade de socorros, uma bala, poderia ser misericordiosa…! Seria assim, tão simples ?
Mas, a forma como estas coisas estão a ser levadas, sempre tão mediatizada, leva-me a pensar, como toda a lógica da vida e dos costumes, se desmorona, apenas presa por um fio de moral e de respeito, consoante a força e o valor dos interesses…! Um sim, que nos pode perseguir por todo o resto da vida, ou um não, que nos pode manter a felicidade, sem a tragédia de uma escolha precipitada…!
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