Hoje, 23 de Abril, é o Dia Mundial do Livro e dos Direitos de Autor. Poderíamos passar por ele, como todos já fizemos muitas vezes, e não tecer, sequer, um breve comentário. Embrenhados como todos andamos, nestes tempos de isolamento, em pensamentos e pormenores, não encontramos, normalmente, tempo para lhe dedicar um pouco de atenção. Este Dia do Livro despertou-me, no entanto, a atenção e obrigou-me a olhar para o “objeto” que tinha na mão: um livro. Um livro é tudo aquilo que nós já sabemos que é, o palco da nossa imaginação, dos nossos sonhos, dos nossos temperos de alma.
A este propósito lembro-me bem de um professor de Português que tive no Liceu e que uma vez nos mandou fazer uma redação em casa, para apresentar na aula seguinte, sobre “O Livro”. Haveria um prémio para o melhor trabalho. Tínhamos todos, eu e os meus colegas, cerca de 14, 15 anos. Dissertar sobre o que é um livro, com essa idade, não é coisa fácil, é uma proeza. Fomos para casa pensar e fazer outras coisas, mas a nuvem do trabalho sobre o Livro não se dissipou. Nessa altura não havia internetes, nem googles, nem outras artimanhas de cultura que nos teriam levado, a todos, a fazer as redações todas iguais. Naquele tempo só copiando uns pelos outros o que seria, claro, imediatamente descoberto e severamente punido. Por isso cada um escreveu o que lhe ocorreu. Todos fizemos a redação, uns ficando-se por meia dúzia de linhas, outros chegando à meia página mas, quase sem exceção, todos com muita sobriedade. Não me lembro como era a minha redação e tenho pena de não a ter guardado porque, imaginem, ganhei o prémio prometido. Tremi ao entregar a redação e tremi outra vez quando, no dia seguinte, o professor disse que eu tinha ganho o prémio. Nunca mais me esqueci dele, claro, aindo hoje o conservo. Chamava-se e chama-se “O Florilégio do Cancioneiro de Resende”. Para quem, na altura lia policiais beras e as revistas que havia (o Guri, o Diabrete) foi, como se compreende, um terrível desapontamento. O Cancioneiro de um “gajo” que a malta conhecia ainda mal, mas que nos viria a dar muito trabalho, não lembrava o diabo. E, claro, o que fui gozado pelos outros… São assim os livros. Tropeçamos neles e, muitas vezes, apaixonamo-nos por aquilo que eles contêm e dizem. É essa magia que fica para a vida e que nos faz entender essa mesma vida. E, claro, nunca mais esqueci esse professor.
Hoje, passados tantos anos, sinto a mesma pulsão de escrever sobre um livro, sem ser o Cancioneiro, claro. Dois apontamentos apenas. Um tem a ver com um artigo publicado no Le Figaro com o título “PESSOA – Uma tão doce melancolia”. Trata-se, claro de Fernando Pessoa que num dos seus escritos dizia: “A literatura, como uma forma de arte, é a confissão de que a vida não é suficiente”. O romancista AntonioTabucchi dedicou grande parte da sua vida a procurar conhecer Pessoa e, depois da sua morte em 1935, afirmou que o que restava de Pessoa era uma mala cheia de gente. Uma mala onde estavam depositados cerca de 500 textos e 300 poemas, e foi do seu trabalho que resultou a publicação integral do famoso “Livro do Desassossego” em 1982. Pessoa era uma figura cinzenta , obcecado pelo céu e pelas cores de Lisboa. E, num dos seus textos dizia: “Nós temos duas vidas: a verdadeira, a que sonhamos na infância. que continuamos a sonhar em adultos embora com nevoeiro; e a falsa, a que partilhamos com os outros, a vida prática, a vida útil.” Ainda bem que me lembrei do meu prémio de infância porque, por Pessoa, sei que continuo a sonhar em adulto. Le Figaro escolheu Fernando Pessoa para um seu artigo no Dia Mundial do Livro. Pessoa é, pela suas palavras, maior que o mundo.
Outro apontamento que quero fazer com enorme prazer e orgulho é o de relembrar aqui os quase 30 anos de vida da minha Editora, a “Colibri”, que tanto me tem ajudado e aturado na minha parca produção literária. Os meus 3 livros editados são uma gota do que a Colibri tem feito na sua já longa vida. Editora liderada por Homem de Cultura e de Causas, o Dr. Fernando Mão de Ferro, ele procura, no meio das dificuldades que todos estamos a viver, “novas formas de criatividade para mantermos activas as asas do nosso Colibri rumo aos sonhos de sempre – contribuir para um mundo melhor. ” É um Homem dos livros que nos fala e que conhece bem o mundo em que se movimenta: autores, patrocinadores, livreiros. Este Dia Mundial do Livro é-lhe também dedicado. Ele sabe que, com o seu mister, está a contribuir para a Cultura do nosso país. Que pena tenho de, na minha redação de infância, não saber ter escrito o que ele tão bem diz em meia dúzia de palavras.
Para o ano cá estremos, a 23 de Abril, a comemorar o Dia Mundial do Livro. Com Pessoa e com a Colibri.
Não me lembro do “concurso literário” de que falaste !. A memória não reteve tudo.
Quem era o professor de Português ?
Uma das rotinas que me têm feito falta é o passeio quase diário pela Bertrand da minha zona. A maior parte das vezes não compro nada, pois tenho muitos livros em casa na fila de espera, mas é uma satisfação ver as capas e num ou noutro caso espreitar os resumos
O m eu mal é que não consigo ler depressa nem me dá prazer ler em diagonal
GostarGostar
O professor era o Fonseca Júnior. Foi ele também que nos alertou para o prémio Nobel do Egas Moniz. Abraço
Marques da Silva
No dia 26/04/2020, às 23:25, Velhos são os trapos escreveu:
> >
GostarGostar
Como não poderia deixar de ser, e da maneira como foi exposto, este dia do Livro, ficou muito bem representado no nosso blogue. E tanto que ele, o livro, nos tem ajudado a passar estes dias de preocupação. Mas, aquela redacção, que nunca saberemos como foi, cairia, que nem ginjas, neste recordar de memorias escritas…! E as redacções, dir-nos-iam agora, tanto do que éramos e muito do que somos hoje, ainda com aquela tenra idade…!
GostarLiked by 1 person