O Professor Édouard Husson, antigo vice-chanceler das Universidades de Paris é, atualmente, diretor do Instituto franco-alemão dos negócios europeus na Universidade de Cergy-Pontoise. Homem, portanto, habilitado…. E, sobre o tema do Plano Macron-Merkel, de forte apoio financeiro à União Europeia , vem tecer alguns comentários curiosos que talvez possam ser considerados como um alerta a não desprezar. Para além da decisão de disponibilizar uma verba gigantesca para fazer face ao problema pandémico europeu, os observadores fizeram notar o reaparecimento do eixo França-Alemanha que, historicamente, sempre “segurou” a Europa nos momentos difíceis. Mas Édouard Husson relembra a decisão de 5 de Maio do Tribunal Constitucional de Karlsruhe que vem apoiar os que criticaram o programa de compra de dívidas nacionais pelo BCE – Banco Central Europeu entre 2012 e 2018, explicando que se está perante uma entorse ao Tratado de Maastricht e uma evolução para um processo de mutualização das dívidas. O BCE tem um prazo de 3 meses para responder a esta questão mas se o Tribunal vier a apresentar uma segunda decisão, semelhante à primeira, o Banco Central Alemão ficaria impedido de continuar a participar nos projetos de recompra de dívidas do BCE. Trata-se, portanto, segundo Husson, de uma tensão entre linhas de pensamento alemãs. A Presidente da Comissão Europeia, a Srª Van der Leyen, companheira histórica de Merkel, apressou-se a apresentar um recurso contra o governo alemão por não respeitar o primado do direito europeu sobre o direito nacional. No fundo, este conflito não interessa a nenhuma economia europeia, nem aos que se disseram aliados do parecer alemão como a Áustria, logo secundada pelos seus amigos da Dinamarca, da Suécia e da Dinamarca. E não interessa a ninguém porque as grandes linhas das transações comerciais europeias serão, em princípio, cada vez mais europeias e a Alemanha precisa de parceiros para vender os seus produtos tal como os chamados “frugais” não poderão passar sem os seus negócios privilegiados com os alemães.
Mas é aqui que Husson relembra o inegável pragmatismo alemão e a sua eterna capacidade de se envolver em debates éticos, abstratos e intermináveis. E chama a atenção para a luta, no século XVI, de Lutero ao recusar qualquer compromisso com Roma, acabando por inventar uma nova confissão cristã, e mergulhando a Alemanha numa guerra intestina que durou 150 anos e se propagou a toda a Europa. E, logo a seguir, relembra os anos de 1830 em que o escritor alemão Heinrich Heine aconselhou os franceses a nunca se imiscuirem numa “querela alemã” porque sabia que tudo começava por debates de princípio e acabava em luta política. Napoleão III não lhe prestou atenção e, uma geração a seguir, nas disputas entre a Prússia e os seus vizinhos, acabou por perder o trono. Quando a Alemanha se envolve, a 15 meses de uma nova eleição para o Bundestag, em debates internos sobre o seu grau de participação na União Europeia, não se sabe bem como tudo poderá acabar. É, segundo Husson, mais uma disputa inter-alemã com todos os ingredientes para ser exportada para a União Europeia.
Angela Merkel, Emmanuel Macron e Ursula van der Leyen (e também a Srª Lagarde do BCE) sabem bem do que se trata e por isso, avisada e concertadamente, tentaram antecipar-se aos danos que é preciso evitar para toda a Europa, principalmente agora que os Estados Unidos deixaram de ser fiáveis e que a China, amareladamente sorridente como sempre, continua a fazer a sua “estrada da seda”. Portugal está inegavelmente na Europa e só tem a ganhar com estas jogadas de antecipação. Este é o plano B europeu de que tantos teóricos têm vindo a falar.
Tempos nebulosos, de uma Europa que ainda se contorce com problemas de coesão e de uma voz em uníssono. Uma Europa, que sofre o pesadelo do rufar de tambores ,ainda que ao longe, as grandes potências pretendem fazer ouvir…!
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