Nas Escolas e Academias Militares portuguesas aprendia-se, nas décadas 50 e 60 do século passado, um tipo de luta a que se chamava “budo” que era, basicamente, uma mistura sábia do judo com as técnicas de defesa pessoal. De instruendos, muitos deles passavam a instrutores e a técnica foi sendo prosseguida embora, na realidade, raramente utilizada na vida real. Era aliciante para quem a praticava mas dolorosa para quem a sofria. Constou-me que nas nossas guerras do ultramar a técnica era, de quando em quando, utilizada mas acabou por ser proibida a sua prática. E deixou de ser ensinada. O mesmo não se passa noutros países, onde essas lutas são treinadas mas proibidas na vida real. Não foi, infelizmente, o que aconteceu nos terríveis 9 minutos do vídeo a que todos assistimos, no qual se vê o desafiante polícia Chauvin de Minneapolis (Estados Unidos) a usar o conhecido método do “joelho na garganta” de um cidadão que balbuciou, aflito, a frase que se propagou como um rastilho por todo o mundo : “Não consigo respirar!” E, por toda a parte, se abriram as consciências para este facto tão simples mas tão macabro de que, por múltiplas razões, “não conseguimos respirar”! Um cidadão que apenas tinha ido comprar um maço de tabaco e que o empregado da loja suspeitou que a nota de 20 dólares que recebera era falsa. Da denúncia à morte foi um ápice.
Mas a indignação e o confronto de ideias poderá remeter-se apenas àqueles desgraçados 9 minutos? Não, claro que não. Por todo o mundo se verificam, diariamente, as mais incríveis arbitrariedades contra etnias, classes, géneros, políticos e se dá, quantas vezes, cobertura aos mais desvairados e arrogantes crimes de corrupção, violação de privacidade e de cidadania, de entorses sistemáticas ao que devia ser claro, simples e, digamo-lo, democrático.
Regressando, por momentos, ao caso dos Estados Unidos, já há muito percebemos que não se trata de um país onde a elegância predomine entre os que detêm o poder. A morte de George Floyd, com o seu espasmo de “não consigo respirar” não é uma exceção americana. Mais do que uma pessoa negra morre, todos os dias, às mãos da polícia americana, em todo o país. Segundo o Washington Post a polícia americana, entre 2015 e 2019, matou entre 962 a 1004 por ano. E destes, cerca de 2/3 são negros. Só que nem todos os casos têm uma exposição tão clara e obscena durante 9 minutos. Os protestos explodiram de imediato nos Estados Unidos, numa escala como não se conhecia desde o assassinato de MartinLuther King Jr. em 1968. Protestos que se espalharam, como um rastilho, por toda a Europa até à Nova Zelândia. Um rastilho que encontrou o combustível essencial no conjunto de sacrifícios que a população americana vive (não só a negra) nesta terrível fase de vida de todo o mundo: a pandemia do vírus e as mortes a ela ligadas; a pandemia racista que as trompetas da Casa Branca incitam cada vez com mais força e, claro, a terrível crise económica e social que fez subir o desemprego para escalas há muito desconhecidas. Esta mistura venenosa trouxe rapidamente à superfície o que, desde sempre, tem andado mais ou menos sufocado. Num país em que cerca de 13% da sua população é afroamericana e em que cerca de 22% dos contaminados com o Covid19 são negros e cerca de 23% dos que morrem também são negros, não admira que estas convulsões irrompam por toda a parte. Claro que o “slogan” “Black Lives Matter”, já existente, reapareceu em força.
Em todo o mundo, e cá também, muitos, infelizmente, têm falecido por não poderem respirar. Mas há outros cenários que no meio desta barafunda têm passado mais despercebidos como, por exemplo, em Hong Kong onde a China tenta impor o estatuto de segurança nacional que Donald Trump se apressou a vir discutir, culpabilizando a China pelas suas travessuras comerciais e, ultimamente, sugerindo maus procedimentos relacionados com a divulgação do Covid. E daí até ao abandono da Organização Internacional de Saúde foi um instante. Boris Johnson já disse que receberia, em caso de risco, até 3 milhões de cidadãos de Hong Kong aos quais concederia a nacionalidade britânica. Claro que os homens de Pequim avisaram-no para não se meter nos negócios internos da China. Mais uma respiração difícil… Israel viu-se obrigada a fechar de novo as escolas pelo ressurgimento da virose e na África do Sul as lojas foram proibidas de vender cigarros e álcool para lutar contra o vírus. Mas essa ação foi considerada inconstitucional.
Enfim, entre nós e por todo o mundo, a dificuldade em respirar está cada vez maior. O caso de George Floyd poderá ter sido mais um dos lamentáveis casos americanos, mas os momentos e as circunstâncias já têm , como se sabe, desencadeado guerras mundiais. Nos tempos que vivemos o grito de “não posso respirar” ficará para a história da violência. Infelizmente o mundo não se vai curar.
Os EUA são um país muito violento e cheio de contradições Não é um local onde gostasse de viver.
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O que se tem visto nos últimos tempos, leva-me a pensar estarmos todos à beira de um verdadeiro ataque de nervos. A miséria de uma América, que se dizia rica, e sabemos que ainda o é, apesar de todos sabermos, que a salubridade e o progresso não passou por todos os Estados. Uma bandeira, que pensávamos ondular ao sabor dos ventos do progresso e da liberdade, pela qual, brancos e negros ( descendentes de uma escravatura ainda por sarar ), deram a vida, abnegadamente. A força do ódio, que aquele joelho representou, e a ponta do bastão de encontro ao peito de um manifestante, que caiu de costas, inanimado, sem qualquer atenção de socorro pelas forças policiais, com sangue a fluir da cabeça, não me deixa nada tranquilo…!
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