AS VELHAS PAIXÕES DE VERÃO

Basta ler obras passadas e muitos dos escritos atuais para se perceber a ligação que tanta gente mantém com as terras onde o destino ou a aventura os levou a viverem parte do ano, normalmente o verão, e nos quais se integram e passam a comungar dos mesmos hábitos, dos mesmos vícios, dos mesmos pequenos locais. São prazeres que se retomam, com outras idades, claro, mas lembrando sempre os anos iniciais em que por lá se derramaram. Esses encantamentos começam a ser muito visíveis quando as idades avançam e, na maior parte dos casos, trata-se mais de locais, de gentes da terra, do que o reviver de paixonetas antigas. Essas provavelmente nunca tiveram seguimento mas os hábitos e as gentes das terras, essas nunca se esquecem, transformam-se em paixões. A maioria desses textos relembram as tasquinhas onde ainda se encontram as aguardentes mais puras, os já proibidos passarinhos fritos, os tremoços e os amendoins com casca mais saborosos do que os que se compram nos supermercados. E o Zés e os Manéis,  com as mesmas idades dos que lá aparecem, são alfobres de estórias antigas, de graçolas esquecidas, de hábitos que já se julgavam esquecidos. De vez em quando lá desaparece um desses “amigos por empatia”, fala-se dele durante esse ano, sempre com saudade, e passa depois à memória dos que connosco conviveram e alguma coisa nos deram ou ensinaram.

Muitos regressam à beleza das flores locais, sempre existentes mas algo esquecidas, mas que agora lhe parecem mais belas, mais perfumadas, mais exuberantes. Os pequenos animais do campo são relembrados (na zona onde estou são, principalmente, os camaleões). Os hábitos gastronómicos são reativados e saboreiam-se vulgaridades para os locais mas que, para os que lá vão, são autênticos manjares de inesquecíveis prazeres.

Eu próprio tenho uma dessas paixões, por uma terra que, apesar de tudo, se tem desenvolvido ao longo dos anos. Talvez não da melhor maneira mas, embora perdendo alguma parte do seu encanto de há 50 anos, conseguiu manter um nível de amabilidade que nos obriga a manter a paixão e a desejar que as vidas dos locais possa melhorar e valorizar-se mais acentuadamente. Mas ainda se consegue desfrutar de muitas facilidades de vida e resolver pequenos assuntos burocráticos num dia, coisas que na capital, mesmo com todas as facilidades de “simplex”, nos atormentariam a existência durante muito tempo. Esta terra pela qual me apaixonei é uma terra de praia, onde revejo o jardineiro a jardinar, o banheiro a tomar conta do espaço que é seu há muitos anos, as famílias dos restaurantes que, felizmente,  continuam  a “restaurar”, alguns amigos da terra que continuam a frequentar os mesmos cafés e a “esclarecer” as dúvidas políticas do país. Tudo isto para não falar no amigo carpinteiro que continua a carpinteirar coisas espantosas, no “amigo topa-a-tudo” que nos resolve os problemas domésticos com toda a facilidade,  enquanto nos conta histórias da terra. E sendo, basicamente, uma terra de pescadores, a sua faina noturna não é criticada por desmazelo ambiental nem por falta de respeito pelas regras que as autoridades vão, periodicamente, publicando sobre os regimes de capturas. É uma terra de onde se vê o mar, muito mar, calmo, bravio, espelhado por vezes. O mar para o qual se olha  durante horas infindas, aparentemente perdidas, mas não. São horas ganhas para o nosso pensamento, para as excelentes oportunidades de reflexão que nos proporcionam.

Reservo também a saudade para outras terras onde aprendi a andar de bicicleta, a nadar, a jogar a coisas diferentes. A vida deu-me oportunidade para exercitar todas essas aprendizagens mas, curiosamente, é esta terra, agora, desde há cerca de 60 anos, que me exalta as paixões e a dedicação aos que nela encontro e com os quais convivo. Não são recordações sensaboronas nem serôdias. São encantamentos, são reencontros permanentes que só o tempo se encarregará de diluir com o desaparecimento de tudo e de nós próprios. Mas como isso, para nós, nunca acontece, continuaremos ligados às paixões que, sem percebermos, nos vão alimentando.

Muitos não terão tido este mesmo percurso e não terão desenvolvido estas mesmas paixões mas os que por eles passaram digam lá se não tenho razão.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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