A Arquitetura é uma Arte. Não basta saber desenhar, ter jeito para o desenho, perceber os planos, as cotas, os cortes, as fachadas e os alçados, os planos diretores e a natureza das ocupações daquilo que se arquiteta. Dêem um espaço, o mesmo espaço, a uma série de arquitetos diferentes e obterão soluções muitas vezes diversas. Algumas parecidas, outras extravagantes e excessivas, outras que surpreendem pela novidade, pela inovação e pelo inesperado deslumbramento que nos causam. A Arquitetura é responsável pela História das cidades, vilas e aldeias, é ela que configura, para a posteridade, a personalidade dos locais. A obra transporta-se, a maior parte das vezes, para o seu interior, dando-lhe personalidade íntima, funcional e artística que caracterizam a obra global. É diferente da chamada Decoração de Interiores que apela, apenas, ao gosto específico do futuro utilizador mas que não interfere com a personalidade da obra total.
Não sou arquiteto, como se sabe, mas, em resultado das minhas atividades profissionais, lidei e convivi com muitos deles. A maior parte deles portugueses. E dediquei-me, durante muitas horas, a observar como fluia a imaginação do artista, do arquiteto, as correções que introduzia aos seus próprios esboços, o deitar tudo fora e voltar ao princípio. Na comunhão consigo próprio, na espera do rasgo mental que, às vezes com surpreendente rapidez, transpunha para o papel. Até eu, e os outros observadores, percebíamos quando a solução estava encontrada. Era só uma questão de afinação. E assisti, com enlevo, a “gritos surdos” de “partos” que se haviam consumado. É esta Arte que deve ser preservada e estimulada. Só dessa forma os nossos ambientes, hoje tão apregoados, poderão sobreviver ao passar dos tempos e dos hábitos. Claro que, a juzante da peça de arquitetura, se segue uma multidão de outras especialidades que tornam o edifício viável. Mas o arquiteto tem bem essa noção e adapta com facilidade o que for necessário para que essas especialidades se conformem com o que imaginou.
Este texto não passa de uma simples nota de rodapé, um pequeno desabafo de cidadão que agora assiste, anonimamente, ao que se vai construindo e ao que vai surgindo nos espaços à nossa volta. E, diga-se, há muita coisa boa. E isso consola-nos do que, para nosso gosto, vemos de desinteressante e ineficaz. Os arquitetos portugueses têm-se batido pela qualidade da obra que projetam e que se materializa. Mas os chamados “Donos de Obra”, particulares ou públicos, derrapam facilmente para as propostas mais baratas, tantas vezes mal explicadas que acabam por se transformar em autênticos pesadelos de custos suplementares, devidos a trabalhos a mais não inicialmente previstos. E quantas vezes a Obra mais bela foi relegada em favor destas falsas (e propositadas) poupanças. Não vale a pena insistir neste ponto. Os arquitetos conhecem-no bem.

É inteligente e fundamental apreciar edifícios com que nos encontramos nas nossas cidades, construidos séculos atrás, e apreciá-los à luz da época, dos hábitos e dos tempos em que foram imaginados e construidos. O belo da Arquitetura é imaginar novo, fazer moderno e de acordo com o seu tempo, preservando a riqueza dos contrastes com o que já existe e que não perdeu qualidade. É essa a Arte da Arquitetura.
Este texto não traz nada de novo para os arquitetos. Eu bem sei. Há manuais, tratados e livros de arte dedicados à Arquitetura e aos arquitetos. Mas não me escuso a relembrar, apenas a relembrar, os nomes de alguns , de entre os milhares que constam nas listas dos mais ilustres, para que sirva, pelo menos de dedicatória a este minúsculo e modestíssimo texto. Refiro apenas alguns que trabalharam em Portugal, portugueses e estrangeiros, e que por cá deixaram as “marcas de água” da sua genialidade. Dos portugueses sou quase obrigado a falar de Siza Vieira e Eduardo Souto Moura, ambos vivos e com muita obra feita, dentro e fora, e premiados ambos com o Prémio Pritzker de Arquitetura. Tal como a iraquiana Zaha Hadid (falecida em 2016) que nos deixou belas obras em Portugal. De entre os portugueses não há forma de não ser insuficiente nas referências: desde Fernando Távora, grande mestre já desaparecido, passando por Cassiano Branco, Carrilho da Graça, Gonçalo Byrne, Nuno Portas e tantos outros. Podemos lembrar o brasileiro Paulo Mendes Rocha que nos lega o atual Museu dos Coches, o espanhol Santiago Calatrava que imaginou a estação ferroviária do Parque Expo ou Vittorio Gregotti que participou no Centro Cultural de Belém. Dispenso-me de enumerar os nomes das celebridades mundiais da Arquitetura que deixaram marcas indeléveis dos seus tempos para apreço dos tempos futuros.
Porquê esta minha opção de escrever hoje sobre a Arquitetura como Arte, perguntarão. É simples a resposta. Porque numa época em que tanto se fala de ambientes urbanos e não urbanos, em que se sabe que a nossa vida é condicionada por tudo o que nos rodeia, é mais do que lógico apreciarmos a Arte Viva com que tropeçamos e sabermos distingui-la da que não chega a ser Arte. Como muitas outras profissões a arquitetura deve ser defendida, mas também entendida como uma Arte envolvente que dá prazer e qualidade aos locais onde se impõe. Sim, sem vaidades mas com génio, é possível a Arquitetura ser Arte. E os arquitetos e as entidades que os contratam são responsáveis pelo futuro das nossas terras.
Há sempre uma pequena história nas nossas vidas que se relacionam com o desenho. Talvez a arte que se esconde nos nossos cérebros e que nem sempre permite passar para o papel, o que presenciamos na nossa frente. Para muitos, a facilidade de desenhar, nascendo com a pessoa. Quase autodidatas que levam outros ao desespero, por mais escola que lhe educasse a mão para um trabalho perfeito…! Com a arquitetura, creio passar-se algo semelhante. Indivíduos, mais dotados que outros com o gosto pela inovação na realização de projectos, que a escola ampliou e lhe deu outras visões de técnica e de beleza, enquadradas na evolução da arte e do estilo. O próprio milagre do betão armado, que hoje nos deixa estupefacto, pelo equilíbrio entre esforços e resistências e o chamado ” momento “, de que não estou habilitado a descrever.
Recordo o deslumbramento que tive, quando em garoto, entrei num atelier de arquitetura, de um amigo de meu pai, quando ali se redesenhava a casa onde vivíamos em Coimbra. A transformação de um Chalet tipo francês, para uma novo estilo, Arte Déco, tão do gosto desse arquiteto, de que penosamente, não me recordo o nome. O ambiente, a luz, as mesas de desenho e a imensidão de rolos de telas, são figuras que ainda hoje me vem à memoria, e tanto influenciou o meu gosto pelo desenho, nunca tendo passado para além das disciplinas escolares, em desenhos à vista, com sombreados a lápis, ou a traço negro da tinta da China, saído de um tira-linhas, na formação de linhas geométricas…!
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Esqueci-me de dizer que a obra de Calatrava na Estação do Oriente pode ser bela, mas fez da estação um das mais inóspitas de Portugal, no inverno
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Na lista dos mais distintos arquitectos portugueses, não podemos esquecer o nome de Porfírio Pardal Monteiro, autor ( alem de muitas outras obras ) do IST e da Estação de C.F. do Cais do Sodré , edifícios que tive o gosto de frequentar durante vários anos ( caso da Estação, diariamente mais de vinte e tal anos).
Na minha vida profissional também contactei com diferentes arquitectos e devo dizer que algumas vezes foi difícil fazê-los alterar aquilo que consideravam belo para aquilo que nós, utilizadores finais, considerávamos mais adequado ao pretendido.
Mas devo acrescentar que, mesmo numa simples vedação, o traço dum arquitecto pode fazer a diferença entre o agradável e o vulgar. Um arquitecto com bom gosto é uma bênção, para uma cidade ou para um particular.
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