ESTIRADOR OLAIO

Acreditem que este texto não tem nenhuma intenção publicitária. Embora haja, realmente, uma ligação direta entre o nome do fabricante e o seu estirador-tipo não é essa a razão que me traz. Não resisto, no entanto, a falar um pouco da Fábrica Olaio que marcou os anos 60 da vida portuguesa com a sua enorme variedade de móveis. A sua fundação data do ano de 1886 como loja de móveis na Rua da Atalaia, em Lisboa, no Bairro Alto. Quando da sua extinção em 1998 foi feito um cuidadoso resgate das muitas peças ainda existentes e de imensos esboços feitos por artistas famosos, como Raul Lino, que se encontram em exposição no Museu de Cerâmica de Sacavém. A Fábrica Olaio (criada, entretanto por 3 sócios, Tomaz Olaio, José Espinho e Herbert Brehm) situava-se na Bobadela (a caminho de Vila Franca) e, durante anos, passei à sua porta de carro quando ia trabalhar para uma outra fábrica situada um pouco mais à frente, em Sta Iria de Azóia. Nessa estrada era bem conhecida a perigosa “curva da Olaio”.

Não venho hoje contar a história da Olaio mas quero apenas falar de uma das suas peças icónicas que deixou fortíssimas recordações a todos os engenheiros, arquitetos e outros técnicos que, ao longo das suas vidas se debruçaram sobre o famosos estiradores.

Os muitos gabinetes de estudos que existiam por todo o país não se dispensavam de preencher as suas salas com estiradores Olaio o que, ao fim e ao cabo, lhes dava um certo prestígio junto dos clientes que os visitavam. Muita dessa gente tinha também um estirador desses em casa, na sua sala de trabalho, coisa que hoje é dificilmente compatível com as domesticidades normais.

Convivi, a partir da década de 70 do século passado com muitos desses estiradores. Passeava-me no meio deles e tinha um só para mim, onde apareciam todos os esboços, livros, todo o tipo de papelada que dispunha em montes perfilados de que só eu conhecia a ordem. Ao estirador juntava-se, claro, a cadeira alta de espaldar e, sobre ele, havia sempre uma enorme régua em T que disciplinava a horizontalidade e a verticalidade de que tudo o que se desenhava. E as fantásticas réguas de cálculo. O candeeiro de mola deslocável era indispensável para os dias ou zonas mais escuras ou para as noites em que se faziam as famosas “diretas” para que o trabalho pudesse estar pronto na manhã seguinte e entregue ao cliente nessa mesma tarde. Quantas vezes, depois dessas noitadas, o estirador não serviu de merecido encosto e descanso para uma soneca rápida e compensadora.

Falar disto é falar de uma época, de tempos que foram outros, nem melhores nem piores. Diferentes. A certa altura apareceram as primeiras versões de computadores de desenho e os estiradores continuaram a desempenhar a sua brava missão de os aguentar “às costas” e a consentir que os teclados os fizessem tremer, a eles e a toda a sala. Os computadores foram-se aperfeiçoando, isto é, ficaram cada vez mais pequenos e com maiores capacidades e os estiradores começaram a ser a mais. Tinham também, entretanto, aparecido os estiradores específicos para desenhos de máquinas industriais, com características mais adaptadas que os Olaio para essas funções. Os primeiros que surgiram terão sido, talvez, os da Marca Portuguesa Molin com grande preponderância no mercado. Muitas outras marcas estrangeiras apareceram depois e essas necessidades ainda hoje são exigidas em gabinetes de preparação de máquinas industriais. Mas apenas de forma supletiva. A informática e a digitalização são hoje os equipamentos fundamentais de todas as artes existentes, mais técnicas ou mais decorativas.

Mas ainda há quem tenha em casa algum desses antigos e belos estiradores. São espelhos de uma época em que foram desempenhados trabalhos importantes que ainda se podem ver por todo o país. Os jovens de hoje entendem estes equipamentos como arqueologia industrial, não os conhecem fisica ou nominalmente. Há tantas outras coisas que poderia ter invocado mas lembrei-me que o estirador Olaio representa bem uma época em que algumas gerações se realizaram, com grande dedicação profissional, debruçadas sobre essa tão bela peça de mobiliário.

2 pensamentos sobre “ESTIRADOR OLAIO

  1. Como é evidente, também acompanhei a transição do estirador para o computador e os desenhadores que trabalharam comigo adaptaram-se com muita satisfação aos novos métodos ( emendar ou refazer tornou-.se muito mais fácil) E conheci um técnico das novas gerações que não sabia desenhar com régua e esquadro : só em computador!

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  2. Excelente artigo ! Quantas vezes passo à porta das instalações da da Olaio, na Bobadela, e vem à memoria aqueles tempos em que nos sentíamos orgulhosos por ver a indústria nacional a progredir, ainda que timidamente. A Feira das Indústrias Portuguesas para os lados da Junqueira, e sentíamos o mesmo entusiasmo por ver que também sabíamos fazer coisas…! Ainda hoje, possuo um roupeiro e uma estante da Olaio, fabricado em Tola. Uma madeira africana, de textura macia, que mantinha um cheiro agradável, ligeiramente adocicado, emprestando um aroma fresco à roupa ali guardada. Também me lembro desses estiradores tão usados em gabinetes de arquitectura. Relíquias Vintage, que ainda vão dando belíssimos serviços e alimentando a esperança de voltarmos a ver novas variantes made in Portugal…!

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