Estávamos em 1942, ano em que as notícias da guerra se faziam ouvir com mais intensidade com toda a sua brutalidade e desespero. Era a Europa de então, perdida entre ódios e destruição. Povos que procuravam refúgio, onde o Sol não se escondesse por detrás das nuvens negras do medo. Caras amarguradas, marcadas pelo sofrimento e angústia, começavam a chegar a Portugal, com os poucos haveres que tinham conseguido trazer consigo, fugidas de uma morte certa . Histórias de perseguições, hoje, tantas vezes visto em reportagens da época, e levadas ao cinema com todo o realismo, revelando-nos o que nos teria sido impossível imaginar.
A minha praia, Figueira da Foz, a praia que desde a idade em que comecei a tomar consciência da vida, entusiasmava-me pela mudança de ambiente, apreciando os dias diferentes daqueles que deixava para trás, em Coimbra. A praia, a substituição dos tempos de recreio da escola. As aventuras da descoberta , a descontração tão própria da idade jovem. Os passeios de bicicleta, com os meus irmãos, as correrias, os banhos, o convívio com amigos de outros anos, que acabávamos sempre por encontrar, ao dobrar da esquina. Era frequente, cruzarmo-nos com veraneantes falando espanhol que se habituaram àquela praia, desde largos tempos, vindos de Zamora ou Salamanca, entre outros, falando línguas que não conhecia. Refugiados da guerra, que procuraram conviver connosco, ainda que a alegria deles tivesse desaparecido..
Os medos da guerra não tinham ficado esquecidos. Conversas de adultos, que nós ainda muito jovens, íamos assimilando com estranheza e relacionando com a quantidade de estrangeiros, de várias nacionalidades, vivendo de forma diferente de quem estivesse de férias.
O rebentamento das ondas de um mar raramente calmo e a brisa fresca a que nos habituáramos desde sempre, transmitia-nos uma energia, desafiando-nos para uma aventura impensável, marcando lugar na memoria, que ainda hoje alimenta estranhas recordações desses tempos. As camarinhas, que algumas vendedeiras de rua ofereciam em troco de algumas moedas, hoje, protegidas pela possibilidade de extinção, deliciavam os nossos apetites. Os barquilhos e a bolacha americana, substituídas hoje, por outras ofertas bem mais atraentes, engrossavam o já bastante grande rol de memorias gastronómicas.
Doces memorias que não se apagam e se juntam a outras bem diferentes, que nos reconfortam e nos enriquecem. Muitas praias iam sendo descobertas pela curiosidade, sem que nada pudesse vir a ser um marco virtual da nossa passagem, até que um dia…!
Até que um dia, Tavira, começou a fazer parte de conversas de namoro. A praia que me entusiasmava vir a conhecer, naturalmente, pela beleza, a temperatura das suas águas, e a mansidão do seu mar, que com tanto entusiasmo, me era contado.
Pela mão de minha mulher, aquela ilha, feita praia, passou a fazer parte das historias da minha vida, que eu pensava estar completa, depois de ter conhecido Copacabana e Ilha de Luanda, com tantas outras histórias, sempre tão diferentes da pacatez do nosso mundo. A suavidade e a singeleza de Tavira, a bondade da sua oferta sem contrapartidas, despertara-me o carinho que ainda hoje lhe dispenso, pelo prazer de ter vivido a dois, e depois a quatro, sempre tão perto dos meus sonhos…! As incansáveis horas em que velejava com os filhos e amigos, enriqueciam os poucos dias de férias que ia gozando. Os prazeres de um pequeno paraíso, tão perto de nós. As Quatro Águas e as divertidas travessias da Ria para a Ilha, começaram a fazer parte de uma nova vida de férias, que se fixou para sempre no meu olhar…!

Também comecei na Figueira da Foz. Passei espuriamemente por Nazaré, Sesimbra e Parede. Em 1957 fui adotado por Monte Gordo. E ainda bem.
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As boas recordações são um dos prazeres da vida!
A partir de certa altura, também para mim as águas da costa ocidental foram ficando, a cada ano, menos agradáveis – para terminar em desagradáveis.
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