Este texto foi escrito em janeiro de 2022. Tomo a liberdade de o republicar hoje.
Começo por esclarecer que, como todos os que me conhecem já saberão, não sou monárquico. Portanto tudo o que a seguir escreverei será um misto de simpatia e de recapitulação do meu próprio passado.
Estava-se em 1953, eu no meu 6º ano do Liceu, e, com o falecimento do Rei George VI, foi coroada a sua filha mais velha, Isabel, como Rainha de Inglaterra, do Reino Unido e de toda a Commonwealth. Isto passou-se a 6 de Fevereiro de 1953, tinha a jovem Rainha 25 anos. Os professores falaram-nos muito nessa altura sobre o notável evento do pós 2.a Grande Guerra. George VI tinha sido para nós um personagem remoto, era uma figura da nossa adolescência. Sabíamos que era rei porque o irmão tinha abdicado mas, na realidade, toda essa história só a viemos a conhecer mais tarde, com leituras e filmes sobre todos eles.
O que verdadeiramente chamou a nossa atenção foi a coroação da nova e jovem Rainha que alimentou os imaginários sonhadores daqueles tempos. Lembro- me bem das explicações dos mestres liceais do meu tempo sobre o enorme investimento público que representava a mudança, em todo o reino, das referências “God Save The King” para “God Save The Queen”. Para além de toda a documentação oficial que passaria a iniciar-se por novas referências e novos símbolos nobiliárquicos, tudo isto em milhões de documentos, com uma despesa de muitos milhões de libras. Mas esse facto não incomodou o Tesouro Britânico. Havia Rainha e isso era o que contava. E eu acrescentarei que é o que ainda conta.
A Rainha Isabel II visitou Portugal em 1957. O seu desembarque do iate real HMY Britannia (já há muitos anos fora de serviço) teve lugar no Terreiro do Paço, onde foi recebida, com o seu marido o Duque de Edimburgo, pelo Presidente Craveiro Lopes e sua Mulher. A guarda de honra, nas escadarias do Terreiro do Paço, foi feita por um pelotão de cadetes da Escola Naval do qual (o que é a vida!!) eu fazia parte. O apresentar armas com espada, como saberão, exige a rigidez de uma estátua o que não nos impediu de fazermos rolar as órbitas oculares para acompanhar a lenta subida da jovem Rainha e admirarmos a sua cara e os seus belos olhos. Foram segundos que para nós contaram como horas, a tal ponto que eu e os que, ainda vivos, também lá estiveram, nunca mais esqueceram. Aqui fica a prova.
Muitas Rainhas e até Imperatrizes têm passado pelo firmamento das nossas contemplações mas Isabel II ficou, para mim, como uma referência permanente de curiosidade e, digamos até, de respeito pela sua vida e pelo seu já longuíssimo reinado.
Não querendo discutir as fortunas da realeza, dos seus incontáveis patrimónios, das vantagens ou desvantagens do sistema monárquico, situo-me apenas na vida desta Rainha e de todas as atribulações que foi obrigada a viver. Os seu filhos, irmã e netos não lhe têm dado descanso. Passou pelo eterno romance de Lady Diana (que se diz nunca ter apreciado muito) , a Princesa do Povo como ficou conhecida. A sua morte e os romances intercalares de Diana e do marido Charles não lhe trouxeram simpatias acrescidas. Prestou, discretamente, as homenagens que tinha que prestar a Diana e recolheu-se nos seus palácios para vir a suportar, não muito mais tarde, o que já lhe era anunciado: o novo casamento de Charles com Camila Parker Bowles, atual Duquesa da Cornualha, pessoa que a Rainha, delicadamente, detesta. Por sua morte, o filho Charles será rei e Camila rainha. Nada que a deixe sossegada, claro. Disse, em tempos, que aos 95 anos abdicaria. Perdeu, entretanto, o seu companheiro de sempre, o Príncipe Filipe, e pudemos ver, pela televisão, talvez a imagem mais triste e recolhida de uma Rainha amargurada. Curiosamente, senti a sua dor e compreendo a sua força ao decidir continuar no trono, sem abdicar, aguardando, sabe-se lá, por um inusitado e complexo esquema que consiga que o seu neto William lhe suceda.
Mas falemos do Jubileu da Rainha que, com 95 anos, será a primeira a atingir os 70 de reinado. Os britânicos estão a organizar os festejos desse Jubileu e que, segundo eles, não terão precedentes. Os festejos durarão 4 dias , dois dos quais serão feriados. Começarão a 2 de Junho, data do aniversário da coroação, em 2/6/1953, na Abadia de Westminster. Haverá um desfile militar na 5.a feira , ao mesmo tempo que em 1500 cidades do Reino e territórios britânicos do ultramar e capitais de países da Commonwealth será acendido um archote. No dia seguinte haverá uma cerimónia na Catedral de Saint-Paul. No sábado haverá um concerto em Buckingham com as maiores estrelas mundiais da música. No domingo realizam-se mais de 1400 “almoços do jubileu”e cerca de 200.000 “festas de vizinhança” , organizadas por todo o país por voluntários. As festividades serão encerradas com desfile gigante nas ruas de Londres reunindo artistas, comediantes, dançarinos, músicos, trabalhadores essenciais, benévolos e militares.
Cerca de 60.000 árvores serão plantadas por todo o país para formar o que se chamará “a cornucópia verde do jubileu “. Cada britânico será convidado a plantar uma árvore que fica a figurar numa conta digital apresentada à Rainha. Haverá um concurso para criar “um novo pudim dedicado à Rainha “ . Espera-se que se torne um clássico como a “Victoria Sponge” , o bolo criado pela duquesa de Bedford e que passou a ser o favorito da Rainha Vitória.
Será importante ressaltar que, de acordo com um estudo recente, 85% dos britânicos nunca conheceram outro monarca.
Não é de admirar o entusiasmo com que os britânicos aguardam por estes festejos. Do que a Rainha não se livra é do seu próprio povo, um povo de “alterne”, capaz de realizar avanços notáveis em todos os domínios, como de encontrar gente como os ideólogos do Brexit, cuja consumação nunca recebeu o aplauso vigoroso de Isabel. Depois de tantos primeiros-ministros com quem conviveu (e de tantos presidentes de outros países com quem se relacionou) terá que continuar a aturar o desbragado Boris e as suas festas natalícias em plena pandemia, os ministros, como Dominic Cummings, que se escapam a determinações legais por eles decididas, a um filho (quase inevitável herdeiro) que anda sempre a mexer nos botões de punho e, agora, ao outro filho, o André, que vai a julgamento nos Estados Unidos, acusado, sabe-se lá se com razão, de ter “brincado” há uns anos com uma jovem de 17 anos e que, agora, é casada e vive feliz com um marido a quem deve fazer jeito qualquer indemnizaçãozinha que venha do processo. É realmente uma grande dose para uma Senhora de 95 anos!
Estou certo que, no seu recolhimento tradicional, zelando por todas as malandrices que a família e os súbditos lhe vão pregando, não deixará de ver, na BBC, a série que todos nós vemos, Line of Duty, com a Vicky McClure fazendo de agente Kate Fleming, o Martin Compston como agente Steve Arnott e Adrian Dunbar fazendo de grande chefe Hastings, perseguindo a corrupção nos mais altos estratos da engrenagem policial em conluio com as quadrilhas civis, coisa que a Rainha não deixará de aplaudir no recanto da sua saleta e saudando com o martini com que parece simpatizar.
Aqui ficam, modestamente, as razões pelas quais eu lhe chamo a “minha” Rainha.
Infelizmente, a data de hoje, marcou-me pela tristeza da notícia do seu desaparecimento. Sem dúvida, uma rainha que soube transpor todos os obstáculos, mesmo os mais rasteiros mas não menos perigosos, de um reinado que ficará para a história do mundo ocidental ! Não tendo sido minha rainha, ela foi sobretudo, rainha das minhas netas, súbditas de sua Magestade, que sei estarem bastante pesarosas …!
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