PACIÊNCIA

Um dos dotes ou sentimentos, como se lhe queira chamar, mais propagado por todas as vertentes da sociologia e do comportamento humano é o da “Paciência”. Sou do tempo em que os pedintes de rua foram proibidos pelo governo da época. Mas antes disso muitos desses pedintes dirigiam-se às pessoas na rua “pedindo qualquer coisinha para jantar”. Muitas vezes a resposta do cidadão acossado era o de “Tenha paciência”. Não era talvez o significado mais correto para o termo utilizado mas era a forma de se desligar do pedinte e resolver, sem remorso, aquele estorvo moral. Eça de Queirós, em muitas das suas obras, para além de zurzir nos abades, cónegos e padres, tipificava também os passeantes de chapéu de coco e bengala, abrindo com ela o seu caminho de desfile e afastando com a tal “Paciência” os incómodos meio esfarrapados que se lhes aproximassem.

Isto é apenas uma introdução jocosa ao sentido moral de paciência que cada cada um de nós deve manter nos quotidianos atropelados com que temos de conviver. Ter paciência é realmente um dote que nos ajuda a resolver ou mitigar muitas das tropelias com que nos deparamos. Não é só de hoje mas nos tempos atuais, aqueles em que vivemos, a nossa paciência é um valioso trunfo que devemos utilizar. A vida ensina-nos que ter paciência é um exercício valioso para ultrapassar obstáculos, comportamentos alheios, implicações sociais mais ou menos delirantes.

Assistir atualmente às inúmeras cenas de miséria que enxameiam o mundo, quer por desastres naturais, por milhares de sem-abrigo espalhados sob quase todas as pontes do mundo, por milhares de mortos em guerras inexplicáveis, inunda-nos a alma de sofrimento contido mas doloroso. A injustiça transformou-se em moeda universal e obscena. Esgota-nos a tranquilidade e exige-nos as tais doses suplementares de paciência para tanta desconformidade.

É o que se vê e ouve também no dia a dia de todos os noticiários, televisivos ou radiofónicos. Gente de pouca validade moral, muitas vezes recorrendo ao anonimato, realiza-se difamando pessoas, cumprindo, muitas vezes, instruções recebidas. Mesmo que essas difamações venham a não ser verdadeiras os importunados não deixaram de viver momentos insofismavelmente penosos para as suas vidas. E, passado ou esquecido um desses casos, descobrem outros para criar um aparente ambiente de justicialismo que destroi o clima social e os valores éticos pelos quais os países se devem reger. É esta falta de decência que, aos poucos, vai inundando os mais crédulos e menos avisados, contribuindo para a destruição dos pilares da democracia e solidariedade em que as sociedades modernas têm tentado viver. Só com muita paciência se conseguirá refletir nestes novos processos, tentando fazer-lhes frente e, se necessário, corrigir modelos que se venham a verificar desatualizados.

É este o apelo à paciência para, sem desfalecimentos, propor e divulgar a necessidade de cada vez mais cultura, educação e ética de vida. Para quem não tem o poder na mão terá que ter, para a sua saúde mental, grandes doses de paciência. Para melhor perceber o propalar da mentira que hoje faz escola na maior parte de tudo o que nos é dado ler ou ver.

Tenhamos paciência como os pobrezinhos do tempo do Eça.

2 pensamentos sobre “PACIÊNCIA

  1. Por vezes não há mesmo paciência!. Quando aparece nas tvs esse tipo de notícia ( enterrar os vivos e desenterrar os mortos) de imediato o que há a fazer é mudar de canal. Ou aguaentar e para depois escrever um comentário ao director da estação. Mas é sem dúvida mau serviço público

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  2. Nunca pensei que uma palavra tão simples, me impressionasse tanto, pela forma como tantas vezes a usámos e a aceitámos em várias circunstâncias. E a paciência, misturava-se com a resignação de ter que esperar por outra oportunidade, ou mudar de planos, marcando passo até nova ocasião. Hábitos de linguagem, que sem darmos conta, estavam bem longe de um incentivo, mas bem mais perto de um entediado não….! Paciência…!

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