É natural que reconheçam esta frase da autoria de Fernando Pessoa. Uma frase escrita há mais de cem anos que se poderá interpretar como um desabafo de autocomiseração, jogando de forma amarga com a sua própria condição . Passado todo este tempo apetece-nos muitas vezes dizer o mesmo. O seu Livro do Desassossego deixa-nos muitas pistas de conformidade ou desconformidade com a vida e com o mundo.
No meio de todas as perturbações, enormidades, grosserias, guerras injustificadas, obscenidades que nos atropelam por todos os lados, a dor de cabeça e do universo de Pessoa parece ganhar toda a atualidade.
Nesta época Pascal tivemos o ensejo ocasional de ouvir partes do discurso do Papa Francisco, no Domingo de Ramos. Com uma retórica simples mas demolidora ouvimo-lo referir muitos dos casos que fazem do mundo um “péssimo lugar para se viver “. E é bom que nos lembremos que não temos outro, por muito que as inteligências artificiais nos queiram arrastar para outras realidades inexistentes.
As referências do Papa são simples, são as mesmas com que o nosso mundo se confronta, ditas, claro, por voz autorizada e, ao mesmo tempo, muito suave mas convincente. Como se pode aceitar, sem revolta, a enorme corrupção que se alastrou por todo o mundo? O desprezo e a falta de humanidade no acolhimento de imigrantes e refugiados políticos? As diferenças cada vez maiores entre ricos e pobres? As guerras inexplicáveis que todos os dias matam gente, adultos e crianças, sem que haja forma universal e legal de intervir e de as anular? Que mundo é este que, com base em mentiras, permite o desencadear de manifestações selvagens e sem limites? Sim, porque os radicalismos e a incultura de grande parte das populações leva-os a propalar as mentiras mais óbvias e obscenas através dos meios de comunicação existentes sabendo, conscientemente, que são mentiras. Quantas debilidades já foram afetadas por este miserável procedimento? Quantas depressões e quantos suicídios? O Papa diz que a única forma de combater estes males seria a justiça. A terrena. Porque a outra, uma das que Ele representa na Terra, é ausente ou tardia para muitos dos que sofrem.
Por tudo isto o introvertido Fernando Pessoa disse com propriedade: Doem-me a cabeça e o Universo. Declaração profunda que, passados tantos anos, continua atual. Desculpem este texto amargo mas tenho a impressão que Francisco, no Domingo de Ramos, lembrou-me um pouco o Livro do Desassossego.
Nem de propósito…! Talvez porque me sinto cansado, e a idade não me favoreça, comecei a desinteressar-me de tudo. Tento fugir de um mundo que nunca entendi, nem sei bem se existe, mesmo na mais remota forma de vida. Com alguma frequência, percorro o horizonte com olhar vago, onde procuro um ponto de interesse e me fixe por momentos, descansando o cérebro tão martelado pela comunicação social a querer mostrar uma independência que dificilmente existe. Num recobro, que me leva a recordar os tempos em que me sentia útil e capaz de aventuras. Retrospectivas de vida que nem sempre foram fáceis e me encorajou a enfrentar tempestades. O ponto onde me fixo, é sempre um infinito sem sentido! Um emaranhado de rastos de passagens descontroladas, que não nos levam a lado nenhum ! Talvez à felicidade desconfortável e enganosa dos ignorantes, sem direito a sonhos, transformando-nos em números pobres de estatística.
A estes, direi não ! Ainda que a voz pouco se faça ouvir…!
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