Que Grande Papelão!

Não tinha verdadeiramente a intenção de escrever hoje qualquer texto. É feriado, é o 25 de Abril, e por isso mesmo achei melhor deambular e ir vendo notícias. Foi essa a minha escorregadela. Ao ver algumas notícias televisivas apeteceu-me não me esquecer de pequenas (ou grandes coisas) que ouvi e pus-me a escrever. Há vícios piores…

Comecei por apreciar a entrega do Prémio Pessoa de literatura, relativo a 2019, ao Chico, ao Francisco Buarque de Holanda. A ignorância, a mesquinhez e a iliteracia do anterior presidente do Brasil impediram ou recusaram essa honrosa entrega em tempo devido. Foi agora, em Portugal, assinado pelo novo e atual presidente que o prémio lhe foi entregue, com a presença também das mais altas individualidades portuguesas. E tudo isto junto às comemorações do nosso 25 de Abril. Chico Buarque, utilizando a sua delicadeza e a fluidez da sua escrita disse no seu discurso de agradecimento: A rara fineza do anterior presidente não permitiu que se manchasse o diploma que agora me foi entregue.

É uma frase arrasadora mas inatacável em termos de diplomacia e de brilhantismo intelectual. E este simples acto fez-me relembrar o que de belo Chico Buarque escreveu e cantou sobre Portugal exatamente a propósito da data que estamos agora a celebrar. Escreveu ele na famosa balada “Tanto Mar”:

Foi bonita a festa, pá

Fiquei contente

Ainda guardo renitente

Um velho cravo para mim.

Tudo isto numa altura em que o Presidente do Brasil foi recebido com honras de Estado na nossa Assembleia da República. Um pequeno número de deputados resolveu manifestar, durante o discurso do Presidente, o seu desacordo com deselegantíssimos cartazes e batimentos nas mesas. Estamos em democracia, claro, mas a decência dos comportamentos e da democracia teriam permitido, por exemplo, que esses deputados se retirassem da sala. Daí o outro ponto tolerante e engraçado com que o Presidente Lula os brindou à saída do Parlamento dizendo: “À noite quando deitarem a cabeça na almofada hão-de pensar: Mas que papelão que eu fiz hoje”. Também acho que foi um Papelão!

Mas já que caí na esparrela de escrever hoje, 25 de Abril, não me passou despercebido no discurso do Presidente da Assembleia a sua alusão aos compassos do tempo e ao respeito que por eles se deve ter, o “Tempo das Instituições “. E isto reporta-me a um poema de Frei António Chagas, do século XVII, com o nome de Conta e Tempo.

Deus pede estrita conta do meu tempo./ E eu vou, do meu tempo, dar-lhe conta. Mas como dar, sem tempo, tanta conta, / Eu, que gastei, sem conta, tanto tempo?

Vale a pena procurar e ler este poema até ao fim. O passado é sempre útil para nos ajudar a caminhar para o futuro. Mas hoje não escrevo mais. É 25 de Abril.

Um pensamento sobre “Que Grande Papelão!

  1. Papelão…!Um termo que há muito não ouvia, e me deu sempre a ideia da forma expressiva como tinha sido representada uma cena de teatro. A natural eloquência de um actor que se tornara um ídolo do público e recebia palmas e pedidos de bis. Uma palavra que foi tão bem pronunciada com sotaque brasileiro, na sua maior simplicidade e sem ofensa, e disse tanto sobre o ridículo de certos actores políticos…! E os gajos já são tantos, pá…!

    Liked by 1 person

Deixe um comentário

Preencha os seus detalhes abaixo ou clique num ícone para iniciar sessão:

Logótipo da WordPress.com

Está a comentar usando a sua conta WordPress.com Terminar Sessão /  Alterar )

Facebook photo

Está a comentar usando a sua conta Facebook Terminar Sessão /  Alterar )

Connecting to %s