ALCOUTIM E SANLÚCAR

 

Têm visitado Alcoutim ou só têm ouvido falar da sua interioridade? E de Sanlúcar do Guadiana também têm ouvido falar? Em tempos em que tanto se trata de interioridade e abandono do país, talvez venha a propósito falar um pouco destas terras e da paixão que as prende mas ainda não as une. Isto passa-se tudo lá para o norte do sotavento algarvio (a que já chamei de “far-west”,  na conceção dos governantes portugueses).  Duas terras pequenas, debruçadas sobre o rio Guadiana, derramando poesia riquíssima entre si,  mas incapazes de se fazerem ouvir nos areópagos da inteligência portuguesa e espanhola. Sim, porque Alcoutim é portuguesa (parto do princípio que todos sabem) e Sanlúcar é espanhola, está do lado de lá da fronteira, embora a poucas centenas de metros uma da outra. Têm o rio pelo meio, o que as torna deslumbrantes mas, incompreensivelmente, distantes.

Sanlúcar do Guadiana é uma terra pequena, ocupando administrativamente apenas 49 km2, pertencente à província de Huelva e, de acordo com o último censo, apenas com 378 habitantes.  Vive de pequenas artes de pesca e de petiscos oriundos das caçadas que os seus poucos habitantes praticam com denodo.  Não tem nem indústria nem serviços apelativos.

Alcoutim é uma terra também pequena, um pouco maior que Sanlúcar, pertencente ao distrito de Faro (no século XIX ainda pertencia ao Alentejo), que ocupa uma área administrativa da ordem dos 575 km2. Tem, de acordo com os últimos censos, cerca de 2900 habitantes (número incerto). Tem as mesmas pequenas artes de pesca, agricultura serrana empobrecida e também alguma caça para os mesmos petiscos dos seus vizinhos.

Sim, porque Alcoutim e Sanlúcar são vizinhos, distam cerca de 700 metros, mas têm a “felicidade incongruente de terem o rio pelo meio”. Há umas embarcações pequenas que transportam esses vizinhos de um lado para o outro, quase a pedido e sem horário fixo. Basta gritarem.  Mas se alguém de Alcoutim quiser ir passear de carro,  com amigos de Sanlúcar, até Madrid, tem que fazer umas centenas de quilómetros para dar a volta e ir encontrar-se, do outro lado, com os seus amigos. Enfim, coisas da interioridade que interessam pouco a quem lá não vai ou lá não vive. E as pessoas vão abandonando as terras, claro, a população não se renova e a pobreza eterniza-se.  Os presidentes de Câmara de Alcoutim e os alcaides de Sanlúcar bem se têm batido pelos seus desenvolvimentos ao longo dos anos,  mas não há ouvidos que os ouçam.

Na passada sexta-feira a nossa Assembleia da República aprovou uma proposta do PCP para construção da ponte de ligação entre as duas terras do Guadiana.  A decisão encheu de alegria os habitantes mas, com a sua habitual prudência e talvez até por fatalismo, chamaram a atenção para o facto de a proposta ter sido aprovada com a abstenção do PS, PSD e CDS o que os deixa, naturalmente, suspeitosos.  Já em 2013, também por iniciativa do PCP, a resolução foi chumbada pela maioria  PSD/CDS. Agora aparece a abstenção do PS. Que quererá isto dizer? Os políticos e as políticas são insondáveis nos seus desígnios.

Ao longo de todo o país interior assiste-se, como todos dizem, a uma desertificação mortal, a um longo e penoso empobrecimento das populações, pelas mais variadas razões que têm que ser estudadas e resolvidas no médio e longo prazo. Mas há casos tão bem conhecidos e tão gritantes que custa a entender a não tomada de soluções para eles. Lembro-me bem de quando não havia ponte entre Vila Real de Santo António e Ayamonte. Depois dela as ligações floresceram, as culturas cruzaram-se e os visitantes aumentaram imenso nos dois sentidos.

Porquê esta quase “aversão” histórica ao caso de Alcoutim? Ocorre-me, com grande frequência a famosa frase grafitada no paredão, antes da conclusão da barragem do Alqueva: “Construam-me, porra!…”  Todo o país a ficou a conhecer e a relembra até em sessões públicas.

Deixem que o encanto poético daquelas duas terras se entreolhem ainda mais. Sem esforço, sem queixas ancestrais, sem abandono das populações. Os espanhóis também estão interessados. E caramba, não vai, decerto, arruinar o défice.

 

3 pensamentos sobre “ALCOUTIM E SANLÚCAR

  1. Alcoutim e Sanlúcar ! Interessante, esta crónica sobre aquelas duas povoações simpáticas, sentadas à beira do Guadiana, talvez com os pés dentro de água, à espera da construção da tal ponte, que todos desejamos que aconteça rápido. Almocei várias vezes, naquele pacífico hotel, de que não me recorda o nome, cada vez mais apagado da memória de muito boa gente, por ter ficado afastado da nova estrada. Pois, Sanlúcar, foi sempre um desejo de visitar, mas…, nunca deixou de ser um sítio de passagem apressada, rumo a Lisboa…! Talvez um dia, chame o barqueiro, com bilhete de ida e volta !

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  2. Duvido que algum deputado da AR conheça estas localidades, e a beleza do seu casario tão rústico! Conheço muito bem Alcoutim, por lá ter passado centenas de vezes. Mas Sanlúcar só vi uma vez. Se houvesse uma ponte, habitantes e turistas com facilidade veriam o conjunto. Quem vai interessar-se por este assunto? Daqui a alguns anos continuarei a visitar Sanlúcar com a amabilidade de um barqueiro …

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