Nestes tempos de frio, em que as geadas quase nos congelam os dedos e nos entorpeçam os pensamentos, o aconchego de uma lareira moderna com fogo condicionado, faz-nos recolher aos bons momentos de casa que tantas vezes desprezamos, preferindo outras maneiras de estar. O crepitar da lenha, reduzida ao seu pequeno espaço, tornam-nos espectadores atentos de um bailado, prendendo-nos à magia dos nossos pensamentos, saturados de tantas más notícias. A evolução de todo aqueles movimentos de luz, aparentemente repetíveis, faz-nos pensar em que sinfonia se podia enquadrar toda aquela incansável dança de fogo. Em que acordes musicais se enquadrariam, apenas com um ou outro crepitar da lenha pondo um ponto de ordem no compasso de tão louco bailado ? Poderia pensar em Manuel Falla ou em qualquer ritual de fogo de tribos primitivas de África ou Brasil, sob o som de marcha ritmada em volta da fogueira. Nada disso se enquadrava ! O silêncio continuava a ser demolidor, e o cansaço começava a fazer os seus efeitos…! Peguei num livro que há algum tempo atirara para o braço do maple, à espera de melhor momento para o ler, e acomodei-me, iniciando uma nova leitura…!
Carlos Bleck ! O título do livro que não me parecia entusiasmar, pensando ser apenas mais uma biografia. Continuo a decifrar a espantosa aventura de uma epopeia portuguesa tão pouco falada e atirada para o esquecimento, da nossa história contemporânea. Ou, como diz a capa do livro, muito apropriadamente : – O herói esquecido da aviação portuguesa.
No desenrolar da história, fala-se de outros voluntariosos portugueses que enriqueceram o nome de Portugal, não deixando os pergaminhos da coragem e da aventura por mãos alheias. Tínhamos um Império por desbravar e por encurtar distâncias, tornando-nos mais próximos. Atravessava-se uma época em que não se podia deixar para o dia seguinte, aquilo que nos pertencia fazer, contrariando a nossa tradicional displicência.
A aviação entrara numa fase que despertava entusiasmos de bravura, descobrindo novos horizontes de progresso que se tornava imparável. Os actos de bravura e a descoberta não se tinham ficado apenas ao sabor dos ventos, de uma época em que se começavam a afirmar novas ideias de progresso e desenvolvimento. O aproveitamento dos conhecimentos sobre a aviação, que a Grande Guerra trouxe, começavam a fervilhar na mente de novos cavaleiros do ar. Os Mares e Oceanos tinham que ser encurtados, trazendo modernas vias de comunicação.
A leitura deste livro, fez-me lembrar e associar ao que vi nos tempos que passei em Goa, a cumprir o serviço militar. Recordo a carcaça de um avião que se encontrava à entrada de um museu em Velha Goa, paredes meias com o Convento de S. Caetano, onde estávamos aboletados. Os restos da fuselagem dessa aeronave, dizia-se que teria pertencido ao pai do General Craveiro Lopes, tendo sido abandonado por avaria. Algo de verdade existia, pois parte desse avião era real e estava ali guardado à espera de melhores decisões que nunca chegariam, após a invasão pela União Indiana. Mais uma história desconhecida que fica por contar, até ao seu desaparecimento…!
Entre nós, o impensável, começava a dar frutos, tornando-nos equiparável a outros países bem mais desenvolvidos tecnicamente. Com a leitura deste episódio sobre a vida aventurosa de Carlos Bleck, algo mais fiquei a saber sobre a nossa aviação civil. Os desafios de Gago Coutinho, Sacadura Cabral, Óscar Monteiro Torres e Sarmento de Beires, já me tinham mostrado o que valíamos e do que tínhamos sido capazes…!
Este Domingo de frio intenso, vou dedicá-lo até às últimas páginas que irei absorver, relembrando ou descobrindo o que tantos anos nos foi negligentemente esquecido ! Boa Noite…!